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terça-feira, 29 de junho de 2010

DIA DO PESCADOR


Tentei pescar, aqui e ali, uma ideia, mas, mesmo tendo a meu favor a paciência necessária e o silêncio bem-vindo (para não espantar os peixes, que devem ter uma audição mais sensível que o mais sensível cão), sou um fracasso como pescador, ainda que simplesmente de ideias, com tantas delas por aí aparentemente dando sopa (a depender do peixe, uma deliciosa sopa de ideias), a ponto de sequer terem paciência de serem fisgadas do modo convencional, fingindo que morderam nossa isca, já pulando para o barco, como peixes manietados por um milagre bíblico.

Como peixes, deixando para trás os tempos em que, para tê-las, cada um que se virasse para pescar o seu, podem facilmente ser encontradas, tiritando de frio (com aquele seu olhar de peixe morto), a cada esquina, em gôndolas refrigeradas, sem, no entanto, o mesmo encanto romântico da uma Veneza em dias frios, também ideias não mais precisam nascer de nós mesmos, podendo ser adquiridas no mercado, com certificado de autenticidade (e tais atestados, como há mercado para isso, podem igualmente ser encontrados: e disso dou fé).

Mas, romântico, podendo tomar um jato, ainda prefiro fazer o caminho a pé, com o argumento (romântico) de que assim aprecio a paisagem bucólica, em vez de ficar vendo nuvens, como se passasse esse tempo todo a ver navios: por isso, resisto em comprar ideias prontas, já descamadas, já evisceradas, já sem aquele forte e típico cheiro contagiante, já embaladas e trazendo na própria embalagem as minuciosas, apesar de frequentemente ilegíveis, instruções de uso, sem desculpa para, com ideia assim em mão, não fazer um bom prato e, na (con)sequencia, boa figura entre os “comensais” – alguns, sequer perceberão a ideia-pronta-para-usar, outros, percebendo, talvez por espírito de corpo, pensando naqueles dias em que, apressados, terão também de recorrer ao mercado, hão de se manter calados, quando não elogiando minhas (próprias) ideias.

Digo isso para mim mesmo: afinal, o que são ideias evisceradas, se, sem vísceras, sem o que lhes há de mais íntimo (ainda que, a alguns olhos, um tanto incômodo), uma ideia (assim) é só algo que se pescou no ar, sem lhe conhecer a origem e, descontextualizado(a), correndo-se o risco de ser preparado(a) de modo errado, como um peixe tomado como carne de pescoço, cozido por tempo demasiado, sem lhe juntar os perfumes que lhe são próprios, condimentando-o com especiarias que melhor potencializam a sedução da carne?

Das muitas ideias soltas no ar – com o ar se fazendo de mar que está para peixe –, a de um pescador de homens quase me faz voltar atrás, abandonando a resistência romântica e me decidindo por me tornar um consumidor comum, dos que não querem que lhe ensinem a pescar, preferindo, por falta de tempo, que lhe indiquem a peixaria mais próxima, sequer querendo ouvir falar na vara de pescar. Homens, em geral, não pulam PARA o barco – a não ser se, já naufragando, encontram num (outro) sua tábua de salvação. É mais fácil se encontrar homens que pulem DO barco, desde que assim não caiam no mar, naufragando.

Se eu disser que os que pulam fora são uns covardes, além de ratificar esse meu romantismo, estarei, sem o perceber, servindo uma ideia pescada. Se alguém entrou neste meu barco (aqui), que saiba nada, já que, ao se dar conta de que eu próprio não sei remar, há de querer logo fora pular.

CHICO VIVAS

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quinta-feira, 24 de junho de 2010

DIA DE SÃO JOÃO






A fogueira das Vaidades logo ficou conhecida, com sua fama correndo solta, como as cusparadas de fogo de um vulcão ladeira abaixo, alcançando, com rapidez que surpreende, lugares em que as Vaidades não eram conhecidas, ignoradas elas, apesar de isso as Vaidades não admitirem, fingindo ignorar o fato, deixando outras fogueiras de lado, como se os olhos agora se voltassem, preferencialmente, para aquelas, as das Vaidades, até porque estas não seguem, com rigor de culto, a tradição, ou com fidelidade religiosa um inflexível calendário, uma inamovível folhinha, por mais que pareça o contrário, ao se ver, dia a dia, uma folhinha, dessa árvore que se renova a cada ano, ser passada (para trás), movendo-se para o passado, por mais próxima que ainda esteja do (nosso) presente.

Percebendo a competição, e a vantagem clara (a claridade projetada pela própria fogueira permitia tal “esclarecimento”), as fogueiras, as que, aparentemente, até então, eram só o que eram, como se cumprissem um destino fatal (o de viverem para se consumirem, consumando-se o fado quando viram cinzas e não resta mais sequer um sopro cálido, calor pouco), pois elas partiram para o ataque sem, contudo, lançarem mão de um vocabulário belicoso, agindo assim menos por vaidade e mais por cálculo, por acreditarem – com ingenuidade que revela pouco conhecimento da psicologia humana ou com assombroso conhecimento de causa – que poderiam comer (o mercado das fogueiras) pelas beiradas, sem a avidez juvenil do fogo comum que, simplesmente, sai devorando tudo, sem um plano prévio, especialmente lançando suas chamas sobre aqueles que não viam com bons olhos o uso corrente das fogueiras feito pelas Vaidades, tomando-o como um desvio de rumo, prometendo, com fogo nos olhos, chispas disparadas de cara, como um conservador em campanha, um tradicionalista de palanque, mover céus e terra (sabe-se do que o fogo é capaz na terra, e teme-se aquele que pode vir dos céus) para que tudo volte a ser como era antes.

E como era antes?

A fogueira, um dia pagã, batizada, entrou de vez no templo sagrado, ainda que seu lugar de honra continue a ser o lado de fora, servindo não mais para comunicar, visualmente, o que as palavras demorariam bem mais para fazer, considerando-se a sabedoria, nada popular, que diz que a luz viaja mais rapidamente do que o som, e incomparavelmente mais do que um mensageiro de outrora, abrindo agora sua boca larga, perdida aquela função, para levar milhos, jovens e crus de experiência do mundo, para o fogo das grandes paixões, ao cúmulo do ardor, às vezes com inevitáveis assados.

Riem as Vaidades: Isso é coisa do passado! Se as fogueiras perderam sua função original, se a comunicação é instantânea (embora menos “mágica”, em que pesem certas tecnologias que se abeiram de um truque de ilusionismo, pela dificuldade em se acreditar no que fazem, a olhos vistos), se os milhos poder ser assados com mais rapidez, se jovens, ainda crus, preferem a onda das paixões-micro, fogueiras assim para quê?

Vaidades das vaidades, tudo é fogueira. Tudo é desculpa para se girar milhões (sem nenhuma espiga no espeto). “É” tudo “São” João – por mais que minha vaidade de ignorante letrado ache que frase assim soa errada, pode ter sido um acerto iluminado, mas pela fogueira, com tempo certo para se extinguir.

CHICO VIVAS
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segunda-feira, 21 de junho de 2010

DIA DO INTELECTUAL


Intelectual é coisa de francês. E não estou trazendo à luz dos holofotes, tão caro ao seu próprio gosto, o charme grisalho de Bernard Henri-Levy, referência recorrente quando se trata de...qualquer assunto, já que, com os holofotes tomando o lugar do sol (que sempre se prestou, seja em termos astronômicos, seja como metáfora, a especulações filosóficas honestas, apesar dos aproveitadores do zodíaco e dos manipuladores das figuras de linguagem (eu, hein!), intelectual tem de saber de tudo (como diria Picco de la Mirandola, em uma remota idade média, embora já flertando com o sol – olha ele aí! – do Renascimento: “De omni re scibili, et quibundam allis”, De todas as coisas que é possível saber, e ainda um pouco mais), sempre pronto, como um Caetano Veloso em qualquer idioma, para dar sua opinião sobre tudo, desprestigiada a metamorfose ambulante em dias de mudanças rápidas nos trocadores dos shoppings, preferencialmente, uma opinião que, polêmica sob medida, alongue a discussão, elevando ao exagero uma desnecessidade ou uma necessidade que, ao longo desse caminho, perde seu real valor.

Conta-se que o termo é uma “invenção” (do francês) em dias que a França, mais próxima ainda da primeira do que do entreguismo da segunda guerra, ressalvada a resistência, preferiria esquecer, embora haja os intelectuais que não deixam isso acontecer, e não para esticarem o tema, mas para que, à luz sempre, ou pelo menos numa penumbra com alguma frecha luminosa, possa ser trazida à tona, quando isso se fizer necessário: o caso Dreyfuss.

Intelectuais, pejorativamente, eram chamados aqueles que, já aureolados formalmente pela Academia, oligárquica e aristocrática como são todas as academias, para os melhores e, sendo os melhores poucos, para a minoria também, ou apenas aspirantes a esse halo de santidade laica, ultrapassaram suas reais(?) funções de artistas e pensadores para se envolverem, como um Bernard Henri-Levy qualquer, em assuntos que, aparentemente, não lhes dizia respeito, em evidente parti-pris, mesmo se considerando que era o assunto do dia, de muitos dias seguidos, na França, alimentado tanto pelos faits-divers de gosto mais popular, como pelos laureados frequentadores dos salões mundanos: os de Proust, os de sua obra, estão recheados de dreyfussards (os a favor) e antidreyfussards (claro, os do contra, embora em número tão grande que aqueles outros, a favor, é que pareciam ser do contra).

Como, hoje, definir um intelectual, se os escândalos, genuínos (ou Genoínos) ou fabricados – e “dossier” é, ora, francês! – se acumulam, aparecendo com mais rapidez, assumindo a ordem-do-dia nesse exército de noticiaristas em constante batalha por um assunto que “renda”, do que aqueles que devem opinar, como se soubessem de tudo, até mordendo a própria língua, vítimas(!), como Henri-Levy de enganos planejados por gozadores que, como um intelectual de verdade, lançam luz sobre tanta mistificação? (Ver Vídeo)

Se eu me arriscar, aqui, a dar resposta(s), numa seara em que não conheço os caminhos, nem sequer uns atalhos (Alt+Ctrl não vale), poderia ser confundido com um intelectual: e há, hoje, uma legião de pretendentes ao título que recusa(m)-no, justamente para, com essa negativa, se legitimar(em) como livres-pensadores. Mas, no final, vão estar dando opinião sobre tudo, na falta de um assunto em particular.

CHICO VIVAS

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

DIA DO PROFISSIONAL DE RELAÇÕES PÚBLICAS


Um elo é tudo aquilo que liga, não sendo necessário fazer parte de uma “corrente”, bastando que seja o ato necessário a unir o que de um lado está ao que, ora, está em outro, aparentemente oposto, por ilusão da nossa perspectiva espacial, embora muito próximos, precisando somente de um elo.

Assim, dizê-lo “de ligação”, é romper a corrente do estilo, por mais prosaico que seja um erro assim, já que não se concebe um elo que não faça justamente isso: ligação.

Um dia, as relações – pessoais ou institucionais – tinham seu lugar certo, mantendo distância da publicidade desnecessária, havendo mesmo alguma desconfiança sobre o que então parecia onipresente. Assim é que, quando preciso, chamava-se, às vezes com urgência, alguém para ser o elo entre a instituição e o público, ou mesmo entre um individuo e a sociedade, tomada esta em seu aspecto institucional.

Agora, ninguém mais liga para “elo de ligação”, considerando mesmo, apesar do grave atentado ao estilo, que um erro assim, consagrado pelo uso, eleva-se à categoria de (a)certo, tomados, então, os que ainda prezam a língua, até guardando algum silêncio, quando não têm certeza, como uns esnobes.

Agora também ninguém é mais “privado”: tudo é público – e não sê-lo se transformou em falha curricular. Ninguém mais parece ter direito a ficar calado, instado que é, a todo instante, a dizer, a dar opinião, sequer com tempo para amadurecer uma, já inquirido sobre outra, ou mesmo sobre aquela mesma questão, cuja opinião, passados alguns instantes, deve ser outra, porque manter a mesma durante mais que alguns minutos é estar desatualizado.

Entre “mim” (que não sou eu, particularmente) e qualquer outro já não há contato direto, separados, virtualmente, por nada, havendo, na realidade (talvez aumentada), um impedimento para além do meramente figurado: se quero falar, estando aqui, com o outro lado, que sequer me faz oposição, apenas estando do lado contrário, não posso, simplesmente, ir até lá, porque não é mais assim que as relações se dão.

Preciso de um Relações. Preciso ter um em minhas relações. Preciso, por ser mais prudente, ter uma relação delas, vários. Precisos não sei se são, mas já conquistaram, além do dia (de hoje) seu lugar nessa nossa história feita de imagens, construída com base na imagem que se projeta, imagem esta que pode, nas mãos de um mau profissional (ou de um dos melhores, a serviço do mal), ser destruída, assim, de uma hora para outra, com a mesma facilidade com que, metal fingido, com leve puxão, se desfaz uma corrente, rompendo seus elos.

CHICO VIVAS

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sábado, 12 de junho de 2010

DIA DOS NAMORADOS




Acima de todos os movimentos, abaixo com o preconceito contra os amores comprados, nessa visão hipocritamente idealista em que se reserva o comércio para os subterrâneos, atividade velada, mesmo que os shoppings, os que há sobre (esta) terra e os que, numa arquitetura-tatu, oferecem corredores e mais corredores (para compradores demasiado apressados) num "nível" muito abaixo do que se poderia esperar de uma experiência vertical! Amores comprados deslavadamente, inclusive aqueles em promoção, num leve-tantos-e-paque-menos: e não me venham, saídos sei lá de que interiores, jogar na cara, deslavada por natureza do que faço, sem vergonha com as palavras, que sou mesmo um vendido (meus amores, isso é lá coisa que se diga na cara de um barbado?!), só por falar assim dos amores, ainda que se creia num só, único, apesar das sucessivas tentativas, essas teimosas tentações, em encontrá-lo, provando vários, como se não quisesse virar a face à simpatia dos promotores de venda na esquina de cada gôndola desses supermercados-dos-amores, talvez a única Veneza possível para alimentar de romantismo essa busca do que para muitos é inalcançável – e quão cansativa pode ser! - fantasia. E, vem cá: desde quando fantasias, de amores também, saem de graça?


Se se pode comprar (quem pode pode: quem pode comprá-los!) perfumes que, escondidos, a conta-gotas, detrás das orelhas, nessa região arrepiantemente vascularizada, o que lhe empresta o calor necessário para a expansão do álcool, entorpecente do olfato, lá "deitados" como uma pulga ali colocada, o que pode nos levar a coçar a cabeça de tão desconfiados, perfumes que assim cochicham segredos diretamente no nariz do outro, o que há de mais em se fazer uma honesta oferta por um bem-querer, que nem precisa ser importado, não precisa ser nenhum "eau de parfum", bastando que, Água de Colônia, possa-se espalhá-lo, a mancheia, como se tivesse nas mãos um punhado de amores, espalhando a alma desse aroma pelo corpo inteiro, sem qualquer pudor de, por ter-se mencionado a alma, sem querer ir fundo no espírito da coisa, se perfumar áreas subterrâneas, até alagando-as, como um shopping abaixo do nível do chão, mal projetado para receber uma temporada de chuvas que caem do céu: é verdade que se se oferecer assim a esse banho de cheiro é entregar-se, vulnerável, à ação ardente no contato do perfume com uma ferida ainda não cicatrizada, seja ela de amores mal negociados no passado, ou mesmo de amores presentes que, talvez por uma fantasia nada moderna, gostam de ser reiteradamente feridos (a Água de Colônia foi a invenção de um monge perfumista para presentear, com a exclusividade que o tempo transformou em perfume barato, um jovem casal de noivos).


O problema(?) com os perfumes leves, essas águas diluídas que nem foram trazidas de Colônia, é que, tão leves, lava-se e deles já se se livrou, num instante; mas mesmo com os mais concentrados, perfumes "sérios", a coisa também se dá, embora requeira mais banhos, já que se até insistem em permanecer a um lavar de rosto superficial, cedem, contudo, não resistindo pois a elas, às sucessivas águas, tornando-os, perfumes com ares de eternidade (o preço está nas nuvens), às primeiras lavagens, uma saudade consistente, para, banhos e banhos tomados depois, não deixarem mais nenhum Rastro (e Aparício Basílio da Silva, o "inventor" do Rastro, há muito desapareceu...)


Negócios bem feitos até deixam rastro, o que é uma maneira de se provar a legitimidade desses amores comprados, para o "caso" (vai que surge um, porque à natureza humana, às vezes, agrada o odor natural, exsudado) de levantarem suspeitas a seu (e a nosso) respeito. Se não deixam pistas, como se o rastro fosse apagado como uma Água de Colônia enfraquecida, é porque se tem vergonha de se admitir a "transa...ção" que envolveu esse amor, mantendo-se-a subterrânea, quando, resguardada a intimidade, em dias de tamanha exposição universal, não há prova maior de amor do que ter a nota fiscal à mão: amores contrabandeados podem ser (um) barato(s), mas, se se precisa "dela", cadê a garantia?


Que se os compre! Que se os venda! Que se seja feliz!


CHICO VIVAS

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quinta-feira, 10 de junho de 2010

DIA DA LÍNGUA PORTUGUESA


Talvez haja bem poucas, em seu gênero, tão faladas, porque não dizer, mal-faladas: mas, afinal, não é para isso mesmo que servem...as línguas, para falar e, com gostinho todo especial, para (se) falar mal, às vezes, na ânsia de se falar assim, acabando-se por, em atropelos gramaticais, vitimá-la, levando-a quase a um sacrifício, falando-se mal ao se falar mal – aqui entre nós, se se faz isso com certo “estilo” (que não é para qualquer um, ao contrário do que muitos acreditam, falar mal), perdoam-se os erros, sendo lucro compensador esse falar mal com espírito, mesmo que muitos crentes (no espírito e não na língua, sequer no espírito desta) desaprovem tal conduta, não considerando digno de um (bom) espírito falar assim, ensinando que é melhor usar a língua para se dizer (só) coisas boas, ou, na impossibilidade de agir desse modo, aliando palavras boas e honestidade, quando esta não é apenas mais uma palavra (das boas), então, que se cale, nem sempre atentando para a gravidade de se se manter em silêncio.

Que as outras não me levem a mal, mas, aqui, só quero falar de uma, monoglota convicto (ainda que, às vezes, preso da armadilha de falar, fique em dúvida quanto ao cará(c)ter desse cê em meu estado de plena conviCção), deixando cada qual se haver com a sua, mesmo sabendo que há aqueles que chegam a dominar várias, sem que eu, até hoje, tenha descoberto o segredo para se guardar tantas línguas numa única boca, ainda que, havendo um céu ali, este possa ser para todas, copiando o infinito que costumamos emprestar a outro céu, mais visível(?), igualmente ilimitado. Quero falar da Língua Portuguesa: e, de cara, atraindo a reprovação de alguns, mas, em compensação também a sádica atenção de outros, digo que vou falar...e mal.

Bem, não que eu seja dado, por hábito, a isso, a falar mal: costumeiramente, nem mesmo sou de falar muito, a menos que se chame de língua a minha mão, e de saliva insípida à levemente salgada umidade entre meus dedos, depois de muito “falar”. O fato é que a língua portuguesa é um prato cheio para isso, verdadeiro convite a que se (a) fale mal, a ponto de não vermos com bons olhos aqueles que nos chegam aos ouvidos falando bem, muito bem, soando isso estranho, emprestando, toda essa rigorosa correção, certo ar de artificialidade normativa.

Entre os que falam mal – alguns, por convicção pessoal –, há os que defendem que apenas falam, simplesmente, não havendo, para eles, sentido em se adjetivar isso como sendo mau, levantando a questão da vida pulsante da língua, de sua capacidade de se renovar, de mesmo incorporar, com o tempo, como regra magna, um antigo erro, deixando os preciosistas de cabelo em pé, em pé de guerra, prontos já para desfiarem um rosário de contra-argumentos, tudo em nome da preservação da língua, da manutenção de sua reputação, ainda que, para isso, nesse momento, se preciso for, falem mal, falando assim dos seus adversários nessa contenda linguística.

Eu, cá comigo, tenho para mim (e, pela quantidade, em poucas palavras, de autorreferências, vê-se que “eu” também tenho “minhas” convicções) que os que falam bem a língua são os que sabem errar com estilo.


CHICO VIVAS

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segunda-feira, 7 de junho de 2010

DIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA






Se pedirmos, então carentes de outro apelo retórico, para que a senhora Liberdade (de Imprensa) abra suas asas sobre nós, é preciso que estejamos preparados para assumir os riscos de uma atitude indiscreta, reflexo condicionado a odores desagradáveis (quando percebidos no outro, embora passem, por vezes, despercebidos em nós próprios, confundindo-os, convenientemente, com um tal “cheiro natural”, até, os que não dão o braço a torcer, lançando mão do argumento discutível dos ferormônios, origem provável de todo seu poder de atração), ou então devemos estar preparados para reagir à quase incontrolável vontade de vedar as narinas, sentindo que com isso praticamos um ato socialmente inapropriado.

Assim como está dito, com toda essa liberdade de dizer, parece que essa Liberdade em particular não é dada a asseios regulares, limpezas necessárias, especialmente quando se vive tão intensamente no calor dos fatos, com todas as consequências já sabidas das subidas de temperatura, quando todos, invocando – já quase “invocados” por ainda não terem podido expressar seu ponto de vista – seu direito de dizer, levantam os braços, aos brados, porque, nas entrelinhas, a liberdade de imprensa parece se resumir (longe já o nariz-de-cera) ao dizer, jamais ao escutar, que imprensa que se preza fala como se não tivesse escutado, e quando escuta, contra sua vontade, faz isso sem dar ouvidos ao que lhe dizem.

Há quem acredite que a coisa já foi longe demais: e isso não quer dizer que algum cheiro, perdendo-se o controle sobre ele, se propagou, como péssima propaganda da imprensa. Então, liberdade ou não, tendo posto suas asinhas de fora, apesar de vetusta senhora sentada sobre os louros de ser um dos sustentáculos da democracia moderna (e uma senhora que se senta assim, com os louros, não deve ser lá tão vetusta como quer parecer), é melhor, dizem alguns, com toda a liberdade, embora a maioria aja na surdina, sem a coragem de publicar o que pensa, que, de uma vez por todas, antes que seja irremediavelmente tarde, que se cortem suas asinhas.

Esses são os que creem que todo voo depende exclusivamente da envergadura das asas, não prestando atenção a asas menores que permitem e sustentam um voo, enquanto outras, maiores, se fazem voar, não o fazem com mais propriedade, necessariamente. A liberdade não se mede (nem mesmo se sustenta), com exclusividade, em tudo poder fazer, nem a liberdade de imprensa, em tudo poder dizer: porque assim pode até ser liberdade (sem que haja um consenso a esse respeito), mas, certamente, não será digna imprensa.

Dizer o que se quer é ato individual, necessidade pessoal, demonstração particular de que se tem o que dizer. Dizer o que se julga, com inevitável poder discricionário, ser necessário que seja dito, na suposição de que será ouvido, é ato maior, ainda que as consequências desse ato venham a se mostrar diretamente proporcionais ao tamanho do ato.

Calar é temer abrir as asas e deixar exalar, com naturalidade, a necessidade de assepsia. Temer pôr as asinhas de fora, com receio de que assim elas estarão mais à vista, atraindo uma censura-predadora, é ir-se devorando: primeiro, por dentro, nas entranhas da liberdade, depois, exteriorizando, em imprensa venal, os cortes (das asinhas) prontamente aceitos, em nome da promessa de (por mais contraditório que pareça) maior envergadura empresarial.

Senhora! Quando a liberdade de dizer for fato relevante, com destaque na imprensa (não importando se, publicidade, é espaço legitimamente comprado), é hora de levantar as asas e, discretamente, cheirar(-se): talvez seja a hora de aparar os pelos.

CHICO VIVAS

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