Um dos irmãos Karamázovi – Ivã, provavelmente, o (mais) filósofo dos três: o caçula era “santinho” demais e o mais velho, bem puxado ao pai, não negando a ascendência, um quase néscio em pessoa, isso sem falar, porque à margem da família, como costuma acontecer nas melhores(?), do bastardo Smerdiákov – dizia que o erro dos empreiteiros da Torre, construtores do mito babélico, não estava na presunção, por si já enorme, seguida de perto, como se seu par associado, pelo orgulho da obra, antecipando-lhe o desejado resultado (não alcançado), não estava, em se partindo da terra, desse chão do qual partem sempre todas as construções, salvo aquelas que fincam suas fundações (firmemente) na imaginação, em se alçar a um céu restrito, em que só se é admitido sob oficial permissão, mas, ao contrário, numa experiência ainda de presunção e orgulho, embora talvez involuntária, trazer esse mesmo céu, descendo-o, com proporcional desvalorização no mercado, paraíso para poucos (escolhidos), para a terra.
Por conta disso – desconheço os cálculos, mas pelo porte da obra, deve ter consumido, além de esforços, humanas vidas perdidas, muito dinheiro -, acabou-se, sem que se falasse a mesma língua, pondo-se a perder todo o projeto, sonho então soterrado.
Hoje (e hoje nós continuamos a querer ora nos elevar, por métodos os mais diversos, aos céus, até acreditando que o meio mais eficiente é o de se controlar o que nos sai da própria boca, apelando-se, em alguns casos, mesmo para o (voto de) silêncio, ora a puxar para nossa companhia, no nível em que vivemos, esse mesmo céu) bastaria, como um atalho jamais imaginado, até por quem nunca teve os pés no chão, preferindo mantê-los nas mutáveis nuvens, um clique, e pronto: fala-se a língua que for; tem-se, imediatamente, sua devida(?) tradução.
Mas, tudo muito técnico, seguindo à risca uma sintaxe-padrão, tornando, por vezes, risível a semântica, quando apegados demasiadamente à norma, sem a maleabilidade que dá à língua múltiplos fios, não permitindo que seja apenas uma faca que só corta desse ou daquele lado.
E um bom tradutor não é aquele que se encerra em seus estudos, acumulando verbetes, enciclopédico, apesar do iluminismo do termo já ter perdido algo do seu brilho original de incontáveis volumes, mas o que, sem temor de perder prestígio social ou de sacrificar preciosas horas, que seriam, de outro modo, dedicadas ao seu exaustivo trabalho, circula pelas “bocas”, conhecendo, das palavras já sabidas, inusitados significados. Bom tradutor é o que resume frases tantas num parágrafo curto, sem, no entanto, suprimir-lhes o espírito, sem lhe retirar o encanto de nascença, não subtraindo ao leitor o verdadeiro prazer de ler, desde que consiga fazer isso a contento e não simplesmente para poupar tempo de trabalho, gastando-o, posteriormente, quase imediatamente, o fruto dessa poupança temporal, andando pelas bocas.
Igualmente merecedor de aplauso é o tradutor que, se não há outra alternativa, não hesita em construir um parágrafo e tanto a partir de uma frase quase solta, se só assim for possível, ao menos para sua boca em particular, bem (se) traduzir.
Como minha língua não conhece muitas bocas, minha homenagem a quem, frequentando sabe-se lá quantas, faz-me, da terra, subir aos Irmãos Karamázovi, com a sensação de que não tirei os pés do chão, desta terra ainda tão mal-traduzida, em que pese ler Dostoievski ser, não raro, uma viagem ao inferno (de cada um de nós).
CHICO VIVAS