Tentei pescar, aqui e ali, uma ideia, mas, mesmo tendo a meu favor a paciência necessária e o silêncio bem-vindo (para não espantar os peixes, que devem ter uma audição mais sensível que o mais sensível cão), sou um fracasso como pescador, ainda que simplesmente de ideias, com tantas delas por aí aparentemente dando sopa (a depender do peixe, uma deliciosa sopa de ideias), a ponto de sequer terem paciência de serem fisgadas do modo convencional, fingindo que morderam nossa isca, já pulando para o barco, como peixes manietados por um milagre bíblico.
Como peixes, deixando para trás os tempos em que, para tê-las, cada um que se virasse para pescar o seu, podem facilmente ser encontradas, tiritando de frio (com aquele seu olhar de peixe morto), a cada esquina, em gôndolas refrigeradas, sem, no entanto, o mesmo encanto romântico da uma Veneza em dias frios, também ideias não mais precisam nascer de nós mesmos, podendo ser adquiridas no mercado, com certificado de autenticidade (e tais atestados, como há mercado para isso, podem igualmente ser encontrados: e disso dou fé).
Mas, romântico, podendo tomar um jato, ainda prefiro fazer o caminho a pé, com o argumento (romântico) de que assim aprecio a paisagem bucólica, em vez de ficar vendo nuvens, como se passasse esse tempo todo a ver navios: por isso, resisto em comprar ideias prontas, já descamadas, já evisceradas, já sem aquele forte e típico cheiro contagiante, já embaladas e trazendo na própria embalagem as minuciosas, apesar de frequentemente ilegíveis, instruções de uso, sem desculpa para, com ideia assim em mão, não fazer um bom prato e, na (con)sequencia, boa figura entre os “comensais” – alguns, sequer perceberão a ideia-pronta-para-usar, outros, percebendo, talvez por espírito de corpo, pensando naqueles dias em que, apressados, terão também de recorrer ao mercado, hão de se manter calados, quando não elogiando minhas (próprias) ideias.
Digo isso para mim mesmo: afinal, o que são ideias evisceradas, se, sem vísceras, sem o que lhes há de mais íntimo (ainda que, a alguns olhos, um tanto incômodo), uma ideia (assim) é só algo que se pescou no ar, sem lhe conhecer a origem e, descontextualizado(a), correndo-se o risco de ser preparado(a) de modo errado, como um peixe tomado como carne de pescoço, cozido por tempo demasiado, sem lhe juntar os perfumes que lhe são próprios, condimentando-o com especiarias que melhor potencializam a sedução da carne?
Das muitas ideias soltas no ar – com o ar se fazendo de mar que está para peixe –, a de um pescador de homens quase me faz voltar atrás, abandonando a resistência romântica e me decidindo por me tornar um consumidor comum, dos que não querem que lhe ensinem a pescar, preferindo, por falta de tempo, que lhe indiquem a peixaria mais próxima, sequer querendo ouvir falar na vara de pescar. Homens, em geral, não pulam PARA o barco – a não ser se, já naufragando, encontram num (outro) sua tábua de salvação. É mais fácil se encontrar homens que pulem DO barco, desde que assim não caiam no mar, naufragando.
Se eu disser que os que pulam fora são uns covardes, além de ratificar esse meu romantismo, estarei, sem o perceber, servindo uma ideia pescada. Se alguém entrou neste meu barco (aqui), que saiba nada, já que, ao se dar conta de que eu próprio não sei remar, há de querer logo fora pular.
CHICO VIVAS