A democracia, aprendemos, em idade em que talvez prezemos mais nossa própria tirania, valendo-nos, inclusive, do que as sociedades democráticas constituíram como valores fundamentais, qual seja, um deles, o respeito à dignidade humana, especialmente daqueles que (ainda, supostamente) não sabem se defender, é, pois, o “poder do povo, pelo povo, para o povo” – e raramente quem assim nos ensina se mostra democrático o bastante para admitir discordâncias; e se o permite, faz isso com um condescendente olhar tirânico (porque, não nos deixemos enganar, tanto os tiranos sabem, a seu bel-prazer, ser condescendentes, nem que seja para descansarem um pouco de tanta tirania, quanto os condescendentes, por natureza, sempre tão dispostos a se deixarem convencer pela vontade alheia, sabem ser tirânicos, usando para isso, às vezes, por ser um disfarce seguro (para própria) condescendência).
O poder pode. E, tautologia à parte, pode mesmo. Pode tanto o poder que “pode”, acordo aqui, acordo acolá, não perdeu nada do seu poder, mantendo-se diferenciado de “pôde”, que, apesar de evidente passado, continua podendo, não se lhe tendo tirado nada.
O poder para o povo. Apesar das consultas protocolares, a sensação que se tem é de que o povo, se quisesse, com todo o poder que lhe é atribuído numa democracia, nada poderia, a tal ponto que ao se falar em o poder “para” o povo, pode-se, por ingenuidade sincera ou por chicana muito bem estudada, se manter em dúvida a respeito: tal poder dirige-se ao povo, portando (é) para ele, ou o para, imobilizando-o? – e vejam que “para”, sem tanto poder, pardo ou em movimento, perdeu assento no trem da diferenciação.
Já longe (de mim distante) o povo (na verdade, belos aristocratas) falando por si mesmo, exercendo diretamente o poder que é seu, sem intermediários – e sabemos o quanto os intermediários costumam encarecer o “negócio” -, temos de nos contentar, algo condescendentemente, com uma democracia representativa, em que o poder é exercido em nosso nome, “pelo povo”. E “pelo”, como se lhe tivessem arrancado os cabelos que demarcavam a diferença ente si e um “pelo” naturalmente careca, assemelha-se agora a um “para” que não se sabe muito bem para onde vai, ou mesmo se vai, porque esse para pode (e ele tem poder para isso) ser uma ordem, imperativo que é, quase tirânica, para (como fugir disso?) que não se vá adiante.
E nós, democratas, para onde vamos?
Vamo-nos acostumando ao para sem acento que nos ordena que paremos; a um para que, vendo-nos parando imediatamente (nunca se sabe se tal ordem partiu de um tirano sem condescendência), diz-nos, condescendentemente, que não, que não temos de parar, e que ele só queria mesmo (nos) indicar uma direção. Não menos acostumados vamos ficando com um pelo (e um só, como se fosse um tirano, por vezes, já é suficiente para nos irritar), quando não há sinal de cabelo algum, e um outro (pelo) que fala em nome de terceiros.
Se democracia é isso, só de pensar no que seja uma (boa?) tirania, eu me “pelo” de medo.
CHICO VIVAS