Mágico para valer é aquele que, como se tirasse um coelho da cartola, surpreende-nos, mesmo quando, ao decidirmos assistir-lhe, já não guardamos tanta expectativa assim de surpresas a vir, ainda que, conscientes do jogo em que entramos, por mais ilusório que seja, de parte a parte, finjamos certo espanto, sendo isso o que o mágico espera de nós, sabendo que não nos apresenta mais qualquer novidade, e o que nós próprios esperamos dele, surpreendendo-nos, se se mostra sem todo esse fingimento tacitamente concertado, mágico de verdade é o que tira a cartola de um coelho.
E não que ele, como um público que, ainda novo para velhos mágicos, para ancestrais mágicas, faz reverências ao mágico, tirando-lhe o chapéu, tire, assim, o chapéu do coelho – que, aliás, há muito o perdeu, perdendo esse seu ar circunflexo -, mas que, embora isso tangencie o trabalho de um açougueiro qualquer e não de um prestidigitador, arranque mesmo, do íntimo do coelho, como se metesse, sem cerimônia, por mais que ilustre o ato com pantomimas, a mão no interior, com ou sem fundo falso, da cartola, como se enfiasse a mão no mais profundo do próprio coelho, uma certa cartola – até se descobrindo aí, se ele é um coelho sincero ou se também, para surpresa nossa, como se um de nós, mesmo um de nós que não seja mágico, tem “lá” seu fundo falso: quem sabe se a parte mais verdadeira do seu ser.
Não há como, ao se pensar em um mágico, inclusive aqueles que jamais viram um, senão coberto de luzes, rodeado de belas mulheres (provavelmente para desviar a atenção de uns – ou de outras – e, querendo desviar, as outras, sua atenção de tão belas mulheres, como a afastar a inveja chegando, acabem por concentrá-la justamente nelas, deixando passar o truque, até barato) e envolto por muita fumaça – e que, nesse caso, ao contrário do que se pode pensar, não está sempre a serviço da camuflagem do truque, mas apenas como um recurso cênico, por mais usado que seja -, não se trazer à lembrança, que sequer tem de ser própria, podendo ser parte de uma lembrança coletiva, já sem origem definida individualmente, um homem de fraque e cartola, sendo esta, ao mesmo tempo, parte do seu figurino comum e parte indispensável da mágica, espécie de alçapão que, em lugar de se manter escondido do público, revela-se, pontuando a cabeça.
O encanto quase indestrutível da mágica – se isso é resultado da mágica de alguém, é de se lhe tirar o chapéu (ou a cartola) – dá panos para manga, para muitas, a ponto de esconderem todas as cartas possíveis, todos os segredos até hoje escritos, inclusive os truques que, por precaução, nenhum mágico se atreveu a pôr no papel. Há na mágica algo de infantil, da nossa crença no que não vemos, às vezes mais até do que naquilo que enxergamos, capaz de, como se ato reflexo, condicionado pela surpresa, fazer cair o queixo: e quando, já não mais crianças, nos flagramos deixando-o cair, logo consertamos o ato, como se, então, mágicos em ação, estivéssemos prestes, por um descuido, a ter nosso segredo descoberto pelo público, destruindo a ilusão, encerrando, se alguma criança houver na plateia (falo de crianças mesmo, e não de todos os outros, “potencialmente” crianças, embora, a essa altura, o que, um dia, era potência, tenha já se revelado em ato), precocemente, a crença na magia.
Embora das mais comuns, mágica, para mim, é tirar, aparentemente do nada (ou de pouco mais que isso), tantas palavras: mesmo sabendo que ninguém se espanta mais com isso.
CHICO VIVAS