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segunda-feira, 18 de abril de 2011

DIA (nacional) DO AMIGO



Os que estão sempre dispostos a ver o lado bom de tudo – e, talvez, este seja o melhor lado deles próprios – dizem que o (lado bom?) de um inimigo é ele nos poder dizer, na cara, as verdades, já que os amigos ou as ocultam de nós, quando creem que dizê-las nos poderá causar algum desconforto ou, não resistindo em ficar calados, mas sem saber como jogar tais verdades em nossa face, de frente, dizem-nas de lado, podendo, em alguns casos, no-las dizer pelas costas, sem que esse sussurrar de verdade(s) seja uma carícia que começa na nuca e avança para seu objetivo (verdadeiro): os nossos ouvidos.

Eu, embora seja amigo da Verdade (“Amicus Plato, sed magis amica veritas”), animo-me mesmo é com o potencial artístico de uma (boa?) mentira, mesmo que nem toda, só por ser ficção, mereça ser chamada de arte.

Amigos, quero crer que os tenho, e de verdade, ainda que não saiba dizer o que eles viram em mim, por qual lado me olham para me votarem sua amizade. Inimigos, desconheço-os; ao menos não conheço de me atirarem na cara suas verdades esbofeteantes ou suas cariciosas mentiras.

Ingmar Bergman conta – de cara, querer crer, já que o faz, escancaradamente, nas páginas de sua autobiografia – que, certa vez, ouviu de um (seu) amigo que se deveria evitar conhecer pessoas, porque depois pode ser inevitável se gostar delas.

Por mais que procuremos, será difícil encontrarmos um lado de mentira nessa afirmação, mesmo que, com (algum) efeito, ela pareça uma dessas frases feitas para serem citadas, lugar-comum no gênero biografia e que são repetidas mais pelo (bom?) gosto de dizê-las do que, propriamente, pela verdade que eventualmente possam encerrar.

Mas, pensando melhor, será que não é mesmo assim?!

Nesse universo que – dizem os amigos da astronomia – se expande incessantemente, o mundo real, e não esse do mundo-da-lua, parece se estreitar progressivamente, com menos espaço para que se possa evitar conhecer pessoas: a todo instante, damos de cara, gostemos (disso) ou não, com alguém; às vezes, nesse tráfego de influências, batemos de frente, sem mesmo ter tido oportunidade, em encontrões assim, de divergirmos de opinião.

Esconder-nos para não virmos a gostar das pessoas que conhecemos: mas, onde? Conhecê-las profundamente como recurso infalível para justamente NÃO se gostar delas, sob o risco de, como castigo, se gostar ainda mais? Conhecê-las sim, mas dizer, mesmo sendo isso reconhecida mentira, que não se foi com a cara delas, virando-lhes então a face: pura covardia!

Respostas para dar eu não tenho, e sei que pessoas, amigos em potencial, são como esses balões de gás, sem gás ainda por falta de fôlego, que ocupam tão pouco espaço, murchos em seu canto, em sua flácida aparência que, confiamos nisso, deixamos que assim permaneçam. Porém, quando se enchem com a real invisível substância que lhes anima, dignos que também são de partilharem deste mundo de gozos (muitos, no entanto, com pouco gás para garantir um prazer duradouro), de repente, ficam com aquele ar importante, elevado, tão cheios...de si; e o que antes pouco aparecia, agora, avoluma-se: essa pessoa que se conheceu, agora já “gostada”, amigo talvez, reclama, mesmo que tacitamente, seu espaço.

Olhando essa comparação por certo lado, como amigos recém-transformados em balões, tê-los é mesmo (como) uma festa. Se as festas acabam, se os balões, uma hora ou outra, estouram, sob pressão, amigos de verdade nos dizem, na cara, o quanto gostam de festa, até, como prova disso, levando dela alguns balões inflados (como se fosse portáteis amigos muito queridos); já os inimigos, às vezes tendo mesmo entrado na festa pela porta da frente, enchem-se de doces, saem levando mais alguns como reserva (alguns dizem que só os levam por delicadeza, já que – viram só aqueles docinhos? que horror! – eram tão ruins que assim diminuem a vergonha do anfitrião), olham-nos de lado se lhes oferecemos um balão cheio, elogiam, com um riso inflado, o que não gostaram de verdade e, apesar disso tudo, pedem para que não os tomemos como inimigos por, não contendo sua língua (comprida como a de sogra, que também levam), nos dizerem, de frente, em nossa própria face cansada, que havia ali gente demais, que o espaço era pequeno e que a decoração com balões está ultrapassada. E só então é que nos permitimos lembrar de que foi numa festa como essa que nos permitimos conhecer essa pessoa que, ao se despedir, por mais cedo que seja, já vai tarde.


CHICO VIVAS
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sexta-feira, 1 de abril de 2011

DIA DA MENTIRA




Dia da mentira? Será verdade?

Durante muito tempo a mentira foi minha inimiga declarada, embora não se possa, de sua parte, confiar em tais declarações, ou mesmo em sua aceitação sincera da minha.

Deixei de viver pequenas emoções, de experimentar aventuras rotineiras pelo temor de, não podendo assumi-las, ser levado a mentir: e não que se tratasse de aventuras ou emoções que me impusessem, ainda tão cedo, quaisquer conflitos morais.

Quando me aventurei a escrever, palavras corriqueiras para não deixar passar em branco datas alheias (desculpa, hoje sei, para preencher meus próprios dias sem importância) e não conseguindo fazê-lo segundo as fórmulas repetidas, vi-me posto contra a parede: para ser verdadeiro, tais palavras deveriam sair das minhas experiências, das minhas próprias emoções, das minhas aventuras, pequenas que tivessem sido todas elas, e, em nome da verdade, tendo-as interceptado no meio do caminho, só me restava “sinceramente” mentir.

Foi assim que descobri que uma emoção expressa com palavra é verdadeira em si mesma, nas palavras que lhe dão vida, sem que seja rigorosamente necessário que tenham saído da minha história pessoal. Percebi que não precisava ter amado com fúria, ter-me aventurado em abismos de cartão-postal, ter experimentado ilusões sintéticas para descrever, honestamente, a fúria de um coração tomado de amor, a vertigem do (meu) corpo que cai, das sensações estupefacientes de uma droga de rotina.

O que escrevo, desde então, é a mais pura verdade, do começo ao fim. Mas, não faço história. Assim, que não me peçam documentos, sequer um lenço que tenha estado na cena descrita, como se me tomassem por um ardiloso Iago. Se me pedirem uma cena de amor, dou-a, sem espalhafato, sem fazer cena, sem mentir para mim mesmo, jamais acreditando que esse amor tenha alguma existência para além das letras. Se me pedirem uma aventura radical, ofereço tudo isso, porque tudo o que escrevo sai dessa raiz que é a superação da mentira, mas não na direção de uma verdade factual, e sim na direção da fé nas palavras, em uma vida gerada a partir da mão, mesmo que, como qualquer outra vida comezinha, tenha antes saído do desejo, não importando o lugar em que isso se dá.

Se eu contasse tudo isso, hoje, a alguém, dificilmente, por mais esperto, esse alguém me diria, depois de quase ter acreditado, com sorriso entre desconfiado e vitorioso, que era mentira, que era primeiro de abril. Se eu lhe contasse, mentindo de verdade, uma aventura a muitos metros de altura, uma história de amor visceralmente furioso, de uma experiência de misticismo psicodélico, provavelmente, meu interlocutor, desconfiado, sorriria e me diria que eu estava mentindo, que era primeiro de abri, que, enfim, tudo o que eu acabara de contra era verdade.

CHICO VIVAS

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