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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

DIA DA LEMBRANÇA


Hoje é mesmo dia do quê?

A pergunta, claro, não é a sério. E isso não porque não se trate de um assunto relevante, daqueles que merecem, queiramos ou não, tiremos ou não disso algum prazer, entrar na nossa memória, às vezes sendo necessário que tenhamos de apagar algo ali já com seu lugar garantido, mesmo que não haja garantias de que venhamos a disso precisar, para assim abrir espaço pra a necessidade da vez, num comércio inconsciente, embora, nessa troca, aproveitemos, sempre inconscientemente, para riscar da memória o que ali entrou por obrigação, sem que tivéssemos a opção de o deixarmos para lá: e ainda que se saiba que o inconsciente é uma caixa de pancada em que descarregamos a responsabilidade por atos (conscientes) que não podemos ou não “desejamos” (palavra tão cara ao inconsciente) assumir, respondendo por suas consequências, neste caso não se pode falar do consciente, já que o ato voluntário de tirar alguma coisa da memória, como se usássemos, com imperícia, uma borracha inapropriada que, ao tentar esconder, acaba por realçar, nem que seja por uma evidente ausência, resulta, frequentemente, num reforço a mais para se lembrar.

Se aquela pergunta tivesse sido feita e levada a sério, eis a resposta (e como gostaria de, aqui, inventar um esquecimento providencial para alongar as linhas, criando algum mistério, mas, “curto” como sou por natureza, já alongo mesmo sem o perceber, e quanto ao mistério, ao propô-lo, com sorrisos entre nervosos e ansiosos, já dou pistas de sua solução): hoje é dia da...lembrança.

Um dia – termo que tão bem se ajusta à lembrança, especialmente quando, como se um vento lhe batesse, cariciosamente, jogando-o para trás, isso é já uma recordação pretérita, não raro preterida em favor de outros (novos) dias, na crença de que “este”, sim, será inesquecível, vindo, no entanto, a cair no mesmo limbo em que todos os dias caem –, a lembrança foi algo que se dava gratuitamente, fazendo parte, inclusive, de uma cortesia provinciana que a urbanidade solapou, seja pela pressa, mesmo para se dizer tão poucas palavras, seja porque, contaminados pela cultura da vida custosa, nos soe um desperdício mandar, tão graciosamente assim, lembranças.

Hoje – um dia com o qual não nos importamos tanto, mesmo que repitamos que só ele existe, que só temos ele para viver (hoje), até ao menos que se torne um ontem -, a lembrança, como “memória”, é até caso de polícia, de investigação minuciosa sobre nossos atos, perseguindo nossos rastros virtuais, alguns realizados com inconsciência calculada (para usarmos isso, futuramente, a nosso favor), outros com a espontaneidade de quem, como um herói que se lança em água tumultuosas quando sequer está em perigo na terra firme, salva o que lhe surge pela frente. Hoje também se tornou questão de saúde, quando a lembrança de hoje parece mais distante do que a daqueles dias em que se enviava, de boca a boca, lembranças, num beijo omitido, talvez inconscientemente presente: de-mente, afinal, são todas as lembranças.

Sem tempo para comprar, individualmente, “lembrancinhas”, nesse varejo de miudezas sem valor, quase negociadas sem consciência do ato (da compra), seguindo-se apenas a ditadura do calendário, envio esta(s), neste dia de hoje, ainda com esperança de vir a fazê-lo, novamente, num outro amanhã, se até lá de dias assim eu ainda me lembrar.

CHICO VIVAS

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domingo, 18 de dezembro de 2011

DIA DO MUSEÓLOGO




Lugar de múmia, como sabe o senso comum, ao qual se costuma atribuir, demagogicamente, a verdadeira sabedoria, mal se escondendo o desejo de assim manter esse povo (sábio) preso a sua sabedoria intuitiva, a léguas de outra(s), é no museu. E nem precisa ser uma de verdade, envolta em seus panos rotos (o que lhe empresta maior veracidade, embora levante a suspeita de que o processo de mumificação não foi dos mais eficientes, não tendo resistido aos dentes do tempo, ávidos sempre por roerem de tudo, intacta como deveria se mostrar a tal múmia ao ser achada, por mais séculos que tenham passado), bastando que seja um vivo qualquer, desde que caindo aos pedaços, Jó ambulante, sem vestígios da antiga riqueza, sequer se lhe adivinhando um joguete nas mãos de Deus (e do diabo).

Assim é que museu é depósito, a princípio, de tudo o que é velho – sendo que, com o tempo, o conceito de velhice se altera, dependendo da expectativa de vida, da qualidade da mesma, preso, muitas vezes, o povo incensado, ao dever(!) de viver muito uma vida pouca. Como o velho, em que pese o discurso recorrente, lacrimejante, piegas, raramente sincero a respeito, com circunspecção falsa, da idade avançada, como se cada ruga bem sulcada na pele afinada, quase um papel a se rasgar, já não suportando escritas mais “profundas”, fosse uma enciclopédia com seus incontáveis volumes, é associado, em nome do novo, da reposição necessária dos estoques, espaço cada vez mais estreito para tudo (para todos), ao que já perdeu seu valor de uso – e, em consequência, de troca –, museu é agência de viagem para o passado, não importando se isso é um (ainda) ontem ou se já um tempo perdido nas brumas que não se contam mais na ponta dos dedos.

Essa fantasia sempre me seduziu: um museu de novidades! E não um que, com competência de assustar, já traga em seu acervo o lançamento de agora há pouco, mas que antecipe mesmo, mais assustadoramente ainda, o que se há de lançar, sem, no entanto, se desprender da ideia que o senso comum dele faz, continuando, portanto, a ser um amontoado de múmias.

Sendo assim, poder-se-ia ir ao museu para ver o que há de vir, mas, vendo-o lá, tomado seria com já-visto, coisa do passado, novidade empoeirada ou velharia bem lustrada. Desse jeito, o mundo haveria de se transformar num grande museu, como já vai se enchendo de velhices – algumas bem vividas, estandarte político, reluzente em seus bordados de cafona dourado, de qualidade de vida; outras, sem os alisamentos injetáveis, sem as tinturas de ocasião, sem as plásticas-cinderela (apenas para durar algumas horas), tão encarquilhadas, que despertam, nos visitantes deste mundo, certo desconforto, fazendo-os pensar, mesmo que não ousem dizer, que devem ter deixado o museu aberto, para que tanta múmia possa andar assim por aí...


CHICO VIVAS
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sábado, 10 de dezembro de 2011

DIA DO PALHAÇO


De tanto lhe lançarem à cara, então já deslavada, ou seja, não ainda lavada, com todas as marcas de uma cara assim, que não viu pela frente água e sabão, nem sempre como uma acusação, apesar do delito evidente, às vezes como um elogio, o roubo contumaz de mulheres, não se lhe atribuindo, no entanto, qualquer rapto (o roubo com segundas intenções), o cara se achou o próprio...palhaço.


Olhou-se ao espelho, como se ensaiando um “olhe para minha cara”, repetindo por diversas vezes, em busca do tom ideal, concertando as palavras com um ritmo que lhes emprestaria eloquência, pronto para, ensaios findos, finalmente encarar o público, sabe-se lá se respeitável, em flagrante desafio, contestando aquelas insinuações acerca de roubos, como se dissesse ser incapaz de ato assim, e não tanto por não ter capacidade para roubar uma mulher, e sim por não lhe ser necessário recorrer a esse artifício, tendo outros recursos para “roubá-las”, de livre-vontade (delas): e não nos espantemos se toda sua arte sedutora estiver justamente na cara, mesmo que camuflada pela discrição de uma face comum, sem uma palidez que chame a atenção e sem cores fortes demais que, como flor exuberante, ainda que de papel, atrai abelhas desavisadas.


Que palhaçada! Quando isso é trabalho, igual a qualquer esforço, burocrático, na hora marcada, com um improviso calculado ou, espontâneo, mas tão repetitivo que não vê nenhuma graça se a casca de banana não está no seu devido lugar, como se deixasse cair ao acaso, despercebida aos olhos, e assim a queda não ocorre no horário combinado, mesmo que o público ria de qualquer modo, rindo, inclusive, se não da piada, apenas para manter seu prestígio de “respeitável”.


Há quem ache uma certa graça amarga ao imaginar que por trás da máscara picaresca do palhaço, caído seu disfarce, se revela sempre, ainda uma (outra) máscara, mas já agora a própria, sem pinturas, uma outra face desse mesmo sujeito, por dever, engraçado, mostrando-nos, represada até o fim do espetáculo de sorrisos mambembes, uma quase cristalizada lágrima, sinal, ao mesmo tempo, do profissionalismo desse cara e do quando pode custar caro viver assim, tendo de amargar suas tristezas em meio a pantomimas divertidas, espremendo, ao máximo, um sorriso nostálgico para daí se tirar uma sonora gargalhada.


Que faríamos, se descobríssemos, por termo-nos escondido, terminado o espetáculo, em algum canto do circo, que o palhaço não usa maquiagem, que aquela que (nos) mostra é mesmo sua verdadeira cara, ou que detrás da pintura não há um sujeito nada amargo, mas até, naturalmente, mais engraçado, sendo que, talvez, tenha-se tornado palhaço justamente para ter como esconder do público sua face real, motivo de risos sem graça, sendo-lhe mais tolerável ouvir os risos, carregados de graça, por causa de sua cara pintada ou pela especulação calada de alguém que, vendo-o no palco, fica a maquinar sobre o que pode estar por trás de tudo isso?


Cumpri meu papel. E como ainda tenho, para manter a máscara, de roubar alguma mulher, dou por terminado o (meu triste) espetáculo.


CHICO VIVAS

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