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quinta-feira, 14 de junho de 2012

DIA UNIVERSAL DE DEUS


Há coisas verdadeiramente incompreensíveis neste mundo de meu Deus. Entre elas, com o perdão da coisificação, o próprio Deus, sendo que essa (Sua) incompreensão é um dos Seus atributos mais admirados, embora, desconfio eu, tal admiração possa se dar por um medo infantil de uma reprimenda Paterna, com consequências mais graves que o efêmero ar sério do pai, ou por certa incapacidade de “compreender”, fruto de uma preguiça de pensar ou por se ter pensado já o suficiente e ter chegado à conclusão de que não vale a pena ir adiante, porque é coisa das mais difíceis compreender o incompreensível, havendo nisso nítida contradição entre termos, antagonismo inconciliável de ideias, certa antinomia forçada, retórica até compreensível, mas nem por isso perdoável.

Do que se sabe a respeito de Deus, Ele é infinito, eterno, ainda que, incriado, não tenha existido sempre: mas enveredar por essas escuridões teológicas é se perder numa selva de estranhezas que a nossa humanidade terrena, com pés no chão, tem dificuldade em escapar sem maiores arranhões. Deus, onisciente, é também onipresente, e, ubíquo, não apenas “está sempre”, como está sempre em todos os lugares, ao mesmo tempo, ocupando cada espaço do universo.

O que (já) é sem fim não poderia comportar o ilimitado, embora não seja de estranhar que o sem-limites possa caber no infinito: isso, no entanto, é alargar demasiadamente o que não tem dimensão, o que sequer conhece isso, ainda que, autor de tudo, deva também ter criado todas as dimensões possíveis (e, considerando o potencial de exploração da “terceira dimensão”, com plateias ávidas por novidades, se o Autor cobrar por seus (legítimos) direitos de Criador, é lucro...líquido e certo).

Então, que sentido tem – eu sempre a buscar explicações, sem aceitar o incompreensível, compreendendo assim o subido mistério que há nisso – num Dia Universal de Deus? Para mim, é nada. E nada não porque seja pouco, e sim porque nada, para mim, é o máximo da (minha) incompreensão: sequer compreendo quando, diante dessas minhas incompreensões, alguém diz, diminuindo o que não compreendo, que isso “não é nada”, como se, nessa oração curta, dissesse tudo – e que isso fique bem compreendido.

Pode-se levantar a questão sobre a necessidade de Deus (se Ele tem alguma) de ter um Dia que Lhe seja Universal: os que Lhe são muito próximos dirão que isso não é nada para Quem tem todos os dias, bem além do que temos nós; já os que se mantêm a certa distância, talvez, por isso, com uma visão panorâmica, enxergando mais, ainda que percam alguns detalhes, dirão que dia como esse é fácil de se compreender, que isso é necessidade não divina, mas humana, seja para render graças em troca de outras graças (uma gracinha que esperam não Lhe passe despercebida, desde que esteja com bom humor nesse dia), seja para, simplesmente, preencherem seus próprios dias, dias contados como são os de todo homem, embora – que grande incompreensão! – nenhum deles saiba contá-los com exatidão antecipada: e “contar depois”, de que adianta?

Se Deus é o próprio universo, ou – para alguns isso faz toda a diferença, mesmo que permaneça incompreensível para outros – o universo é o próprio Deus, que mal pergunte, hoje é mesmo dia de quê?


CHICO VIVAS

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quarta-feira, 18 de abril de 2012

DIA (NACIONAL) DO AMIGO





Temerosos estavam – embora isso não caia nada bem em tão valorosos guerreiros, orgulhosos, inclusive do destemor com que travam suas batalhas – por causa do rastilho de pólvora que se anunciava, predizendo a total e avassaladora submissão dos samurais, com toda sua destreza manual, ancestral habilidade no uso da espada, arma com que fizeram, e ganharam, tantas guerras: e tudo isso pela iminente introdução, naqueles campos de batalha, das novas armas...de fogo.


O instinto (ou a inteligência apressada) de sobrevivência gritou tão alto que, unidos, essa nobre casta de samurais decidiu “encarcerar” o próprio Japão em suas (próprias) fronteiras, uma terra que, apesar do seiscentismo, do rompimento dos limites territoriais das grandes navegações (europeias), permanecia nas “trevas” medievais (que tinha, sim, os seus “lampejos” de razão), como boa parte do mundo ignorava o Renascimento – e se há um é porque houve, antes, um nascimento qualquer, provavelmente, o renascer de um homem que parecia já enterrado sob as ruínas de uma Grécia mítica, heroica e artística que sucumbiu às guerras que lhe foram impostas e que, já tendo ganho tantas, os “samurais helenos” perderam: e acerca disso há um longo, a ponto de nos alcançar ainda hoje, rastilho de História que não contempla, em seus capítulos bélicos, as armas de fogo.


Hoje, quase todos os múltiplos deuses foram vencidos por um monoteísmo que, não raramente, tem como Senhor um guerreiro, se se der crédito às narrativas sagradas, herdeiras de um velho testamento. Hoje, os semideuses são não mais do que o apelido pejorativo de poderosos arrogantes. Hoje, heróis são bombeiros que resgatam vítimas da celebrização da sociedade em seus trajes de fugazes suicidas. Hoje, grandes Generais, merecedores de uma maiúscula, são história obrigatória e não aquelas que invadem os sonhos juvenis, encharcados de um pacifismo que se sustenta na base frágil da negativa do porte de arma e de uma utópica (porque não há em “lugar algum”) perspectiva em que as guerras não entram, considerando-se estas somente como as de grandes dimensões ou, pequenas até, com poder para construir uma “plástica comovente para milhões de telespectadores sem mais ânimo para as batalhas”, e desconsiderando-se totalmente as próprias, aquelas que são cotidianamente declaradas ou nas quais se entra por entrar, sem, ao menos, a motivação que levou os samurais a se fecharem por mais de duzentos anos.


No entanto, a História é a mais paciente das adversárias: espera, espera e, quando decide, essa decisão passa por um fato histórico irreversível, ainda que admita várias interpretações, mesmo que não tenha passado de um acaso, circunstâncias que enfraqueceram, ao longo do tempo, o vigor que cercava o desafiante.


Eis, então, que, um dia, nem todas as espadas (um traço distintivo desses guerreiros samurais era a permissão, exclusiva deles, para usar duas espadas) foram capazes de lhes garantir a supremacia conquistada com o isolamento do seu Japão.

Entram, desse modo, nessa história, as novas armas e, como séculos se passaram, chegam armas de fogo ainda mais potentes do que as que os fizeram fechar as portas, como se, simplesmente, levantassem a ponte que, pênsil, ligava um velho castelo feudal ao resto do mundo – e o “mundo”, então, quase se restringia à aldeia mais próxima.


Quando o esquecimento (que é, sim, uma arma de poder destrutivo incalculável, podendo mesmo fazer esquecer como se fazem os cálculos mais primários em uma guerrinha de fim de semana) avança, como fogo em mata propícia ao seu poder de corredor, atleta velocíssimo, fechar-se pode valer mais tempo de aparente paz, uma paz que transtorna os sentidos, deixando-os incapazes de perceberem a ilusão em que se cai. Porém, em algum momento, crendo-se que o inimigo desistiu, ou por já não se ter forças para continuar mantendo a defensiva, baixa-se a guarda: e é por aí que aquele esquecimento, soldado-raso de toda memória, vê-se transformado, de uma hora para outra, sem passar pelos longos trâmites burocráticos, num Grande General, aperfeiçoando, através do tempo, uma espécie mesmo de samurai ressurgente, com suas espadas afiadas e prontas para ceifar, pela raiz, impedindo assim um futuro renascimento, as nossas (próprias) histórias, fazendo delas, em conjunto, simplesmente, As Vencidas na história que se há de, um dia, contar, sem mais detalhes, até porque são os vencedores que costumam, ambidestros como samurais, escrever, com todas as suas mãos, a História Oficial.


Diante dos esquecimentos que já pontificam, algo camuflados, no meu território, não fecho meu peito. Se não tenho armas de última geração com que possa lutar contra eles, parto, sem abandonar meu posto de observação, para, guerreiro reles, com permissão para usar só uma das mãos, escrever a história do que me lembro.


E esta “página” (da história) que vou acabando de escrever é dedicada a ti, esperto que sou, apesar da baixa patente (e da desesperança quanto a ser promovido), pois isso já me garante alguma sobrevida através das tuas vitórias – e, de preferência, em paz.



Chico Vivas

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quarta-feira, 14 de março de 2012

DIA DO VENDEDOR DE LIVROS


Não sou de ter boas ideias, especialmente as vendáveis, embora imagine o que as pessoas querem, pelo que estão dispostas a pagar. Mas, mesmo não sendo nada original, podendo já ter sido pensado antes, quem sabe mesmo posta em prática, vou lançar uma: um livro sobre os vendedores...de livros, daqueles que saem (acho que já não saem, tendo saído dessa há muito) vendendo de porta em porta, porque os outros, em locais apropriados, recebem quem ali vai para comprar, podendo não fechar o negócio (se isso for recorrente, o negócio acaba fechando), mas sem correr o risco de levar a porta na cara, inoportuno por chegar em má hora, importuno por chegar, a hora que for.


Para dar a uma ideia, possivelmente bastante batida (se eu insistir nisso, hei de levar uma porta na cara), algo que a torne mais interessante, um toque de originalidade, fica proibida – afinal, a ideia é minha mesmo – a venda dos exemplares em locais apropriados, liberada somente a venda porta-a-porta, com um vendedor tentando empurrar, mal passando da soleira, forçando, entrão como só, avanços progressivos casa adentro, talvez até com um igualmente forçado convite para um cafezinho, um livro sobre vendedores de livros, algo mais insípido, para quem já leva uma vida insossa, a ponto de estar em casa justamente na hora em que esse vendedor, que só passa na hora em que todos trabalham, passa, do que enciclopédias com um interminável número de volumes, cheios de informações desatualizadas, servindo como nostalgia de como era o mundo ainda ontem.


Na verdade, de porta em porta, deixaram de passar vendedores, do que quer que seja, mas especialmente de livros. E entre tais vendedores, alguns eram até muito bem-vindos, porta-vozes informais do mundo “lá de fora”, ou, quando menos, com sua inoportunidade a calhar, interrompendo uma rotina de temperos sempre iguais para gostos que não mudam, apresentando-se, em geral, com sua bela estampa, em que pesem as marcas visíveis de se andar assim, de porta em porta, sob o sol, espécie de príncipe sem cavalo ao qual se honra com um cafezinho, até mesmo, o que o honraria mais, dado esse seu bate-pernas profissional, com um régio café, embora bem mais próxima já a hora do almoço.


Em último caso, se não houver alternativa, impossível se prolongar ainda mais essa conversa, paga-se o preço e compra-se o livro: e este exemplar poderá vir a se juntar, como se uma enciclopédia das mais diversificadas, a outros tantos, todos comprados em semelhante condição, recebido o vendedor com sorrisos, brindando-o, como se fosse uma eminência a visitar “minha humilde casa”. Atenção, porém, vendedores de livros: nem sempre é assim, em especial no que diz respeito aos vendedores de enciclopédias intermináveis.

Por quê?


Por uma lógica simples: comprar uma enciclopédia dessas de um único vendedor é abrir mão de ser visitado por um sem-número de outros vendedores avulsos que só nos querem empurrar um livro de cada vez, mesmo que se compre uma infinidade de exemplares do mesmo Vendedor de Livros – esse best-seller que não figura em qualquer lista dos mais vendidos.


CHICO VIVAS

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sábado, 3 de março de 2012

DIA DO METEOROLOGISTA




Deixemos as certezas (e o tempo dirá que nem eles mesmos as têm) para os meteorologistas de plantão, despertos, enquanto outros dormem cheios de previsões, a tarefa de dizer, com uma esperta margem de erro que sempre dá margem a que nela se incluam os erros de previsão, o tempo que fará logo mais. Não nos tirem, a menos que sejamos um deles, a delícia de fazermos planos olhando, com elas mesmas como testemunhas das nossas legítimas intenções, as estrelas sobre uma noite clara, sem que haja, nesse horizonte ora escamoteado pela escuridão, a mínima possibilidade, pois não lidamos com o impossível, de reversão das expectativas.

E lá vem, na hora certa, o novo dia, realizando em seu fulgor nossas noturnas esperanças – e, a essa altura, não se sabe, nem é necessário disso se saber, se chegou assim o dia porque essa era a sua roupa de chegada, independentemente do traje que antecipadamente, ainda na noite de ontem, houvéramos escolhido, ou se se sentiu amedrontado, um tanto quanto coagido com aquelas certezas (logo nós que não fazemos das previsões do tempo um meio de vida) divididas com as estrelas, já que tão altas, talvez, indiscretas e sem conseguirem guardar segredos, passaram adiante, lá de cima, o roteiro que preparamos de véspera.

E se nada do que pensáramos se confirmar, se o tempo mudar, da noite para o dia, seja lá porque tinha mesmo de mudar (trocar de roupa sem com a nossa moda se importar), seja para deixar claro que não vai se intimidar com as nossas arrogantes certezas (melhor é tomar cuidado com a língua solta das estrelas), ou seja, tão-somente, para ratificar a previsão de um meteorologista de plantão, sem descartar a possibilidade de contrariá-lo nessa sua ciência de olhos no céu e pés bem plantados no chão, não nos tirem a delícia quase sem igual (a anterior é melhor) de reclamar do tempo, de sua instabilidade, de dizer que nem nele se pode mais confiar, abjurando estrelas a ponto de daí por diante recusar a olhar o céu (quanto tempo isso vai durar?!), ter de mudar de plano (sacando do bolso o plano B, porque, apesar de tudo, somos, quem sabe se por já termos sido enganados assim, um pouco “previdentes”) ou então desistir de tudo, de última hora, do que havíamos tão detalhadamente sonhado, até com a roupa já escolhida e ainda agora ali ao lado, como que rindo de nós com aquelas cores claras, que se destacam, em sonora e colorida gargalhada, nesse dia que aguardávamos claro, e nos veio desse jeito.

Estrelas!... Deixemo-las para lá, que lá em cima é que é seu devido lugar: se houver delícia em cruzar os dedos ao ver, no papel, pontos cruzados entre planetas, desenhando o destino – o nosso, claro – como temos sonhado, cruzando espaços em viagens sem fim, ou cruzando os mares e conhecendo todos os portos, delícia maior é, confiando ou não nesses mapas (traçados por um deus de plantão), ora consolar-se, dizendo-se que tudo (nos) virá no tempo certo, sem deixarmos, porém, de, a todo instante, olhar o relógio, sacudi-lo para fazê-lo voltar a andar mais depressa ou perguntando as horas para saber se ele não está atrasado e descobrir, assim, que está até um tanto, um tantinho assim, adiantado – “Todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu...Há tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou”: Eclesiastes –, ora se desconsolar com tempo que levou para chegar, enfim, a hora de se arrancar o que se plantou, embora, disfarçadamente, para não dar na vista, bastante satisfeito por, enfim, ter chegado o tempo – “O destino zomba de nós ao nos oferecer o presente que nos negou na hora certa”: Montaigne.

Seja como for, desde que não sejamos meteorologistas, viver... E se formos, por profissão, ganhando a vida a fazer “previsões”, dai-nos, meu Deus, o direito de acreditarmos, ainda de véspera, olhando a noite, no dia de amanhã do jeito que havíamos planejado, sem, contudo, esquecermos, mesmo que disfarçadamente, de rir, juntamente com aquelas roupas claras, se tivermos, de uma hora para outra, de mudar de plano: B, C, até o alfabeto inteiro de esperanças, e que é infinitamente maior do que aquele que (nos) serve para escrever “realidade”.

CHICO VIVAS

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domingo, 15 de janeiro de 2012

DIA DO COMPOSITOR





Com uma lógica que (só) funciona por etapas, sequenciadas, com uma disciplina burocrática que só permite que se dê início a uma nova etapa quando já se deu por finda a anterior, não se conhecendo a simultaneidade de ações, como se se desconhecesse a lógica própria que há nisso, diante de um compositor, logo se quer saber dele, inquirindo-o assim, se primeiro lhe vem a letra ou a música, mesmo sem se ter conhecimento prévio de que o compositor em questão é um que faz uma e outra coisa, e não um daqueles que só fazem uma coisa ou outra, não sendo, por isso, necessariamente, compositor demasiadamente disciplinado ou burocrático, porque talvez muito gostaria de fazer (de) tudo, reconhecendo em si, no entanto, mesmo se um compositor ainda não reconhecido, mais talento para isso ou para aquilo, investindo, assim, com disciplina invejável, mais naquilo ou nisso, a ponto de até, quando se apega por demais a uma habilidade específica, desprezando outra(s) como pura perda de tempo, tornar-se um burocrata da composição.


Talvez aquele que, por talento ou por decisão baseada numa lógica de mercado, prefere a música, abstrata por natureza como é, não escute, ao compor, correspondentes palavras, letras surgindo-lhe espontaneamente, não no rastro – que isso já pressupõe que algo só começou com o fim de alguma coisa que já passou, deixando assim o tal rastro – de música, mas simultaneamente a ela.


Porém, quem se atém à letra, “compondo palavras”, inevitavelmente, em tempo real, escuta sua música: não obrigatoriamente a música que há de acompanhar sua letra, mas a música própria das palavras, às vezes, tirando daí, dessa fonte sonora, a inspiração para um arranjo posterior.


Letra e música, como barba e cabelo (não esquecendo o bigode), um dia, andaram juntas, inseparáveis mesmo, estranhando-se, como se isso não fizesse o menor sentido, sem lógica portanto, que um compositor só o fosse de letras, enquanto outro, de música apenas, tal qual mexer no cabelo não interferisse em nada na aparência da barba, ou vice-versa. Em nome da especialização do trabalho – conceito, hoje, sem nada de especial, havendo mesmo especialistas em especialização do trabalho -, um faz isso, enquanto o outro, em nome de uma racionalidade, se dedica àquilo, numa simultaneidade de ações isoladas.


Com isso, talvez, o letrista, acostumado a “só” pensar em palavras, tenha deixado de, com o tempo, dar ouvidos à música própria das palavras, mesmo que compor o arranjo seja tarefa (especializada) de outro. E o músico, que já não ouvia, tão mergulhado em suas abstrações, as palavras, tenha mesmo feito “ouvidos de mercador” para a letra que, a sua própria revelia, trabalhando na música, insistia em lhe surgir, afastando-a mesmo de si, pelo temor de que isso, trabalho então alheio, atrapalhasse o seu, tão especial(izado), ou, na pior das hipóteses, acabasse fazendo o trabalho de dois.


E sabe como é: dois pra lá, dois pra cá...


CHICO VIVAS

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

DIA DO ASTRONAUTA


E nem com todas as provas, apesar das teimosas nuvens de dúvidas pairando quase que eternamente, de que, há muito, que isso não é mesmo de hoje, a lua deixou de ser uma instável fantasia romântica, que ainda alimenta certo amor-mercadoria, para se tornar documentada terra firme, ainda que não se lhe pise com aquela regularidade capaz de gerar um trânsito digno de “lunáticos”, fizeram, provas tantas, com que abandonássemos a expressão, loucos como somos por frases de efeito (especialmente os efeitos espaciais), “mundo da lua” para assim se caracterizar um fantasista incorrigível (corrigir-lhe o quê?), ou um sonhador sem trégua (ele vive em paz assim), ou o dono de uma imaginação “fabulosa” – ao menos ele já é dono de alguma coisa: uma “verdadeira fábula”.

Não sei se as crianças de hoje – e “crianças de hoje” é expressão que existe há muito – ainda sonham, quando sonhar lhes é perdoável, permitido ou mesmo incentivado, em se tornar astronautas, ou se isso é coisa de outra geração, mais próxima das navegações espaciais que, por si só, sem recursos gráficos, já causavam grande efeito (na imaginação), sendo sempre mais fácil, mesmo para um sonhador, que não deveria conhecer tais limites, que os sonhos se espelhem na realidade do momento: talvez seja por isso que nenhuma criança (que eu conheço) sonha em ser um desbravador de “outros mundos”, expressão esta, com todo seu poder, que designa(va) terras firmes, no máximo, além-mar, jamais outros planetas – que isso era coisa de quem então (já) vivia no mundo da lua -, simplesmente por não acreditarem que ainda existam “mundos” não descobertos.

É possível que, mais dia, menos dia, o trânsito espacial, preferindo-se este para se escapar das agruras terrenas, acabe por se tornar a imagem de uma rotina: e, nisso de “mais dia, menos dia”, a vida passa e o mundo novo que era uma promessa quando crianças, ficada a infância já tão para trás, ainda não se cumpriu – ou talvez se venha cumprindo, como promessa paga aos poucos, e nós, mais atentos aos efeitos espetaculares, não tenhamos percebido as “novidades” do mundo.

Astronauta tem de ser sempre coisa do mundo da lua (mesmo que suas atividades incluam viagens mais importantes do que ficar gravitando em torno de um mero satélite). Testemunhar seus esforços, exaustivos treinamentos, desafios vencidos, o que poderá ajudar a construir o herói, “humaniza-o” demais, deixando a impressão de que qualquer um (de nós), envidando esforços, treinando exaustivamente, vencendo os desafios possa se tornar astronauta, algo, assim, ao alcance de todos, mesmo que não nos reconheçamos tão esforçados, tão dispostos a suportar a exaustão, tão decididos a não abandonar o barco diante de alguns, aparentemente invencíveis, desafios.

Seja o desbravador de outros mundos que jamais tirou os pés do chão, seja um desbravador que, para conhecer mundos outros, teve, nem que seja quando criança, de tirar seus pés do chão (ainda que então não tivesse consciência dessa levitação), seja qualquer um de nós com nossos próprios sonhos, mesmo que sonhos tão fincados, por contraditório que isso pareça, na realidade, é preciso, de quando em vez, experimentar o “mundo da lua”: se não for possível “estar nele”, que, ao menos, se use essa expressão, pois, mesmo sem o saber, estar-se-á voltando no tempo, como se assim se entrasse numa típica máquina que as promessas do velho mundo novo faziam acreditar como realidade – mais dia, menos dia.

E, como se vê, a vida passou.

CHICO VIVAS

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