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quarta-feira, 18 de abril de 2012

DIA (NACIONAL) DO AMIGO





Temerosos estavam – embora isso não caia nada bem em tão valorosos guerreiros, orgulhosos, inclusive do destemor com que travam suas batalhas – por causa do rastilho de pólvora que se anunciava, predizendo a total e avassaladora submissão dos samurais, com toda sua destreza manual, ancestral habilidade no uso da espada, arma com que fizeram, e ganharam, tantas guerras: e tudo isso pela iminente introdução, naqueles campos de batalha, das novas armas...de fogo.


O instinto (ou a inteligência apressada) de sobrevivência gritou tão alto que, unidos, essa nobre casta de samurais decidiu “encarcerar” o próprio Japão em suas (próprias) fronteiras, uma terra que, apesar do seiscentismo, do rompimento dos limites territoriais das grandes navegações (europeias), permanecia nas “trevas” medievais (que tinha, sim, os seus “lampejos” de razão), como boa parte do mundo ignorava o Renascimento – e se há um é porque houve, antes, um nascimento qualquer, provavelmente, o renascer de um homem que parecia já enterrado sob as ruínas de uma Grécia mítica, heroica e artística que sucumbiu às guerras que lhe foram impostas e que, já tendo ganho tantas, os “samurais helenos” perderam: e acerca disso há um longo, a ponto de nos alcançar ainda hoje, rastilho de História que não contempla, em seus capítulos bélicos, as armas de fogo.


Hoje, quase todos os múltiplos deuses foram vencidos por um monoteísmo que, não raramente, tem como Senhor um guerreiro, se se der crédito às narrativas sagradas, herdeiras de um velho testamento. Hoje, os semideuses são não mais do que o apelido pejorativo de poderosos arrogantes. Hoje, heróis são bombeiros que resgatam vítimas da celebrização da sociedade em seus trajes de fugazes suicidas. Hoje, grandes Generais, merecedores de uma maiúscula, são história obrigatória e não aquelas que invadem os sonhos juvenis, encharcados de um pacifismo que se sustenta na base frágil da negativa do porte de arma e de uma utópica (porque não há em “lugar algum”) perspectiva em que as guerras não entram, considerando-se estas somente como as de grandes dimensões ou, pequenas até, com poder para construir uma “plástica comovente para milhões de telespectadores sem mais ânimo para as batalhas”, e desconsiderando-se totalmente as próprias, aquelas que são cotidianamente declaradas ou nas quais se entra por entrar, sem, ao menos, a motivação que levou os samurais a se fecharem por mais de duzentos anos.


No entanto, a História é a mais paciente das adversárias: espera, espera e, quando decide, essa decisão passa por um fato histórico irreversível, ainda que admita várias interpretações, mesmo que não tenha passado de um acaso, circunstâncias que enfraqueceram, ao longo do tempo, o vigor que cercava o desafiante.


Eis, então, que, um dia, nem todas as espadas (um traço distintivo desses guerreiros samurais era a permissão, exclusiva deles, para usar duas espadas) foram capazes de lhes garantir a supremacia conquistada com o isolamento do seu Japão.

Entram, desse modo, nessa história, as novas armas e, como séculos se passaram, chegam armas de fogo ainda mais potentes do que as que os fizeram fechar as portas, como se, simplesmente, levantassem a ponte que, pênsil, ligava um velho castelo feudal ao resto do mundo – e o “mundo”, então, quase se restringia à aldeia mais próxima.


Quando o esquecimento (que é, sim, uma arma de poder destrutivo incalculável, podendo mesmo fazer esquecer como se fazem os cálculos mais primários em uma guerrinha de fim de semana) avança, como fogo em mata propícia ao seu poder de corredor, atleta velocíssimo, fechar-se pode valer mais tempo de aparente paz, uma paz que transtorna os sentidos, deixando-os incapazes de perceberem a ilusão em que se cai. Porém, em algum momento, crendo-se que o inimigo desistiu, ou por já não se ter forças para continuar mantendo a defensiva, baixa-se a guarda: e é por aí que aquele esquecimento, soldado-raso de toda memória, vê-se transformado, de uma hora para outra, sem passar pelos longos trâmites burocráticos, num Grande General, aperfeiçoando, através do tempo, uma espécie mesmo de samurai ressurgente, com suas espadas afiadas e prontas para ceifar, pela raiz, impedindo assim um futuro renascimento, as nossas (próprias) histórias, fazendo delas, em conjunto, simplesmente, As Vencidas na história que se há de, um dia, contar, sem mais detalhes, até porque são os vencedores que costumam, ambidestros como samurais, escrever, com todas as suas mãos, a História Oficial.


Diante dos esquecimentos que já pontificam, algo camuflados, no meu território, não fecho meu peito. Se não tenho armas de última geração com que possa lutar contra eles, parto, sem abandonar meu posto de observação, para, guerreiro reles, com permissão para usar só uma das mãos, escrever a história do que me lembro.


E esta “página” (da história) que vou acabando de escrever é dedicada a ti, esperto que sou, apesar da baixa patente (e da desesperança quanto a ser promovido), pois isso já me garante alguma sobrevida através das tuas vitórias – e, de preferência, em paz.



Chico Vivas

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