Onde se escondem os
tesouros? Eis aí (onde?) um mistério que permanece insondável – e é bom que
seja assim, em que pese nosso desejo sempre recorrente por desencavar
esperanças, não nos importando mesmo que, para isso, tenhamos que sujar as mãos,
com uma literalidade que nos exime de culpas morais; é bom que assim seja
porque desvendar tal mistério, encontrando os ditos tesouros, nos deixaria,
pela falta do que continuar procurando, a ver navios onde navios realmente existem,
abandonando o prazer de imaginá-los, afundados, cheios de tesouros a nossa
espera, em lugares que nem nossa imaginação é capaz de precisar, sendo nela,
talvez, ao menos para os que não creem mais em tanta fantasia (se imaginação e
fantasia, saídas da mesma mente, não forem irmãs siamesas), em que se encontrem
os (verdadeiros) tesouros.
Há uma quantidade de
livros – alguns muito bons – de mistério. Entre esses, outros tantos em que o mistério
é um tesouro que não se sabe, a princípio, onde está. Há um, em especial – fé à
parte –, apesar do seu nome plural, cheio de Mistério: e a maiúscula serve para
diferenciar os tesouros que esconde. Eis um, sem querer estragar (não aos
spoilers!) a leitura, revelando o segredo: “Amigo
fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro”. (Eclesiástico,
6:14)
Em certa época, ao
invés de escondidos sob o chão, como convém a um bom tesouro, pelo prazer (a
mais) que se tem em se dizer que se o descobriu “depois de muito esforço”,
ainda que tivessem bastado poucas cavucadas na terra e um raciocínio sem
grandes piruetas da lógica dos mistérios, parecem brotar, espontaneamente, aos punhados,
com aquela sem-cerimônia das flores comuns, para as quais, quem sabe se por
serem tão comuns, e assim por existirem a mancheias, acabamos por não dar atenção,
certos, com a certeza típica desses nossos tempos, de que estarão sempre ali,
como se suplicando para que as colhamos, flores que são; para que os levemos
conosco, amigos de plantão.
Chega uma hora em que
desejamos uma flor (quando os mistérios já não nos interessam tanto ou os
tesouros nos cobram, em tempo e imaginação, não dispondo mais tanto nem de um
nem da outra, um preço maior do que seu valor real, depois de achado e
convertido o tesouro: e mesmo as mais comuns, agora, por mais que as busquemos,
surgem-nos(?) insondáveis). Que dizer, então, de um amigo?!
O prazer de (se ter)
um amigo pode até começar pelo mistério que exala, por sua aparência de baú que
contém um tesouro; passa por se abri-lo, manejando-se com cuidado seus fechos,
ora pelo temor de forçá-lo em excesso, ora pelo medo de não se estar sendo, com
a delicadeza necessária, firme o suficiente com o amigo; mas acaba, embora uma
boa amizade não termine por aí, pelo encanto da simples descoberta.
E dizer o que há num
amigo seria estragar, com revelação desnecessária, um mistério bíblico.
CHICO VIVAS