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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

DIA DO NUTRICIONISTA


E não é que o comer, um dia mera imposição de uma biologia faminta e que não gosta de ser contrariada, envelhecendo e enfeando mais rapidamente aqueles que se arriscam a ir de encontro a ela, seja por uma questão de fé, visando a uma ascese, seja, por contraditório que pareça, objetivando justamente uma juventude mais prolongada e uma beleza que acompanhe tão duradoura juventude: e não é que uma necessidade, com todas as suas consequências escatológicas, se tornou um cultuado prazer, tanto para os que retiram seu bem-estar(?) da possibilidade de comer de tudo, em grandes quantidades, querendo assim estender ao limite do possível (ou até um pouquinho além) o prazer experimentado com as pequenas porções, quanto os que, calculadamente comedidos, só encontram esse mesmo prazer (gastronômico) em porções que deixariam, incrédulos, de boca aberta aqueles outros.


De prazer, pessoal e intransferível, mesmo que em torno de uma mesa que comporte muitos comensais ao mesmo tempo, nem sempre bem-comportados à mesa (o que pode emprestar a esse encontro uma alegria a mais, espécie de tempero extra para o prazer-sentado), o comer se tornou caso de saúde pública, requerendo, numa dessas contradições de nos deixar de queixo caído, com o risco de, eventualmente comendo, parecermos mal-comportados ao nos exibir assim, quando, por norma de civilidade, deveríamos manter a boca fechada, uma inversão de recursos, com o objetivo de educar, quando ainda possível, e de curar, quando não há mais boa educação que dê jeito imediato, recursos que, para muitos, especialmente os que têm no comer regular uma aspiração constantemente empurrada para um futuro otimista, melhor seria investir em mais comida.


Eis que surge então o nutricionista – alguns, com suas razões semânticas ou apenas pelo gosto esnobe de uma lógica como sufixo, preferem o termo nutrólogo -, estudioso que, sem, publicamente, desprezar o prazer, até considerando-o como parte fundamental do bem-comer, centra esforços em ensinar como se portar à mesa, ainda que isso já não se refira ao preciosismo no uso dos talheres adequados para cada prato, a correta postura, com atenção especial dada aos cotovelos discretamente ausentes, mesmo que cada vez mais não se possa sentar (à mesa) para comer, tendo-se de fazer isso de pé, até quando muito próximos da mesa.


Isso combina com aquilo. E aquele casamento que então se julgava perfeito, com pares que fazem tão boa-figura em qualquer mesa, é mera aparência, havendo por trás dessa felicidade um risco (à saúde) alimentado por outros interesses. E os novos casais apresentados como protagonistas de uma união promissora não nos apetece tanto, tão sem graça que nos parecem à primeira vista (e todos, algum dia, comemos com os olhos), casal meio sem sal ou excessivamente açucarado em suas manifestações de felicidade servida em quantidades “racionais”, ração humana que nos subtrai uma diferença (em relação a outros animais): a de poder escolher, até onde isso é mesmo uma escolha, encher os olhos mais que a barriga, encher a barriga à revelia dos olhos, encher essa mesma barriga como se então se comesse com os olhos, e até, se isso for uma escolha, ficar apenas olhando, de boca aberta, tanta comida junta ou prato tão grande para tão mínima porção.


Hum!... tudo isso me deu uma fome!


CHICO VIVAS
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sexta-feira, 14 de agosto de 2015

DIA DO CARDIOLOGISTA


Vou abrir meu coração!
Antes, porém, deveria abrir o peito, porta de entrada para se chegar a ele, não sendo necessário, aberta essa porta, esse peito, que, muitas vezes, o coração, ele próprio, seja aberto, bastando que, escancarada a entrada, visível o interior do peito, possa-se aí resolver a questão, sem maiores intromissões diretamente no coração.
Em frase assim, retórica a não poder mais, cheia de dramaticidade, simulando subsequentes revelações, há um erro: apesar de, na aparência, ser da vontade de cada um a decisão de abrir o (próprio) coração, não havendo, ainda aparentemente, possibilidade de alguém determinar que façamos isso (embora um outro possa, com boas intenções ou não, induzir-nos a isso), já que, mesmo se obrigados então, tal ato pode não passar de um fingimento, especialmente se não traímos essa falsidade na cara, sabendo-se que quem vê cara..., é preciso um terceiro que nos abra o peito.
Até se pode tentar, sabe-se lá levados por quê a tentar isso, sem auxílio externo, abrir o próprio peito: no entanto, esse procedimento, de precisão cirúrgica, requer uma habilidade incomum no comum dos homens, já que qualquer vacilo pode causar um trauma, além do fato de que, aberto uma hora, será necessário, às vezes no instante seguinte, se fechar a porta, costurando-se um acordo consigo próprio a respeito do que, enquanto aberto o peito, se deixará passar dali para fora, sendo já do conhecimento que, aquilo que saiu facilmente se espalha, sem a salvaguarda, agora, de se estar protegido no fundo do coração.
Apesar disso, de todas essas precauções, de todos os procedimentos que o bem-estar recomenda que sejam sempre seguidos à risca, sem descuidos, sem que se passe por cima de um só, apenas porque se o considerou, discricionariamente, à revelia da tradição, de menor importância, somos frequentadores assíduos dessas salas em que abrimos o peito e, não contentes, abrimos também o coração, ora na companhia de um só (o que podemos considerar mais do que suficiente para nossas necessidades da hora), ora rodeados por uma equipe de fazer inveja a profissionais em aberturas de peito.
De imediato, após abrirmos o peito, sentimo-nos aliviados: ou, simplesmente, cremos nisso, sugestionados por terapêuticas das quais não sabemos a origem, mas sedutoramente sustentadas por teorias, baseadas numa ideia universal, de que a sinceridade é sempre o melhor remédio (e para os sinceros patológicos, qual será o remédio ideal?), a ponto de nem sempre nos lembrarmos de, aberto o peito, fechar de novo o coração, ou, lembrando, mas ainda experimentando o prazer(!) de tê-lo aberto, decidimos mantê-lo assim, querendo inaugurar uma nova etapa na vida, marcando posição ao dizer que nunca mais voltaremos a fechar nosso coração.
Peitos abertos além do rigorosamente necessário (e a medida dessa necessidade, sendo de cada um, individual, requer perícia rara) são uma porta francamente escancarada para corações, depois de um entra-e-sai dos diabos, cuja porta emperrou: mesmo quando se quer o contrário, ninguém mais sai de dentro, ninguém mais de fora consegue ali entrar.
CHICO VIVAS

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