Share

domingo, 10 de maio de 2015

CORAÇÃO DE MÃE



A dificuldade aparente (e real) de se falar a respeito de um tema que vem sendo alvo de tantos comentários, ao longo do(s) tempo(s), é o já não ter o que lhe acrescentar, restando, no máximo, a tarefa de recriar o já-dito, nem sempre com sucesso, apenas invertendo a ordem das palavras, ou se aventurar, com todos os riscos que uma (boa) aventura envolve, em alguma pretensa originalidade, se é que, como afirmou Oscar Wilde, sobrou alguma, depois de Shakespeare e de Victor Hugo: nem mesmo o pecado, dizia Wilde, é mais original.


E o pecado – se eu não estiver, aqui, cometendo (mais) um – é a mãe, em que pese a contradição de gênero, de todos nós: de todos nós que somos filhos (da mãe: literal ou jocosamente) e de todas elas, mães que a poesia ingênua põe acima dos pecados ou, quando, admitindo uma humanidade que é justamente o que as faz o que são(?), as faz pecadoras, perdoa-lhes antecipadamente, como se o título que carregam – não raro, mais suntuoso, apesar da banalidade que o faz recair sobre o resultado de um ato biológico, do que aquilo que, efetivamente, carregam, enquanto se preparam para serem mães – lhes servisse de salvo-conduto por prazo indeterminado.


Dizer que há mães e mães, enquanto para uns é um pecado, pelo tratamento que assim pretende retirar de algumas a auréola brilhante, talvez, para outros seja a prova de que o tema se esgotou, e mesmo quando, tentando livrar-se, ingenuamente, da poesia que parece atávica à maternidade, só se consegue fracassar no intento de inaugurar um novo dito.


Então, cedamos logo de uma vez e, em lugar de ficarmos aqui a procurar palavras, a inventar adjetivos novos, a nos aventurar em sinônimos impossíveis, ratifiquemos o que a sabedoria popular e certa erudição clássica (esta, às vezes, algo envergonhada de parecer tão ingênua, sendo até apenas a recriação esnobe da espontaneidade do povo) dizem.


“Mãe só tem uma”: e quem poderá negar a verdade dessa afirmação?! Se se a(s) tem maior número, ou se está transferindo a condição biológica de uma para outra que carrega consigo a condição de (verdadeira?) mãe pelo afeto que derrama, há de, no íntimo, se hierarquizar esse amor, ainda que use o mesmo “mãe” para ambas – ou para todas, se houver mais mães.


Afinal, Balzac: “O coração das mães é um abismo no fundo do qual se encontra sempre um perdão”.


É assim que, se mães, perdoai-me a ausência de derramado sentimento, como leite no auge da fervura, mesmo que não tão do fundo do vosso coração; se não, e não querendo me perdoar a banalidade iterativa destas palavras, experimentai ser mãe, mesmo que só no coração.

CHICO VIVAS
Read rest of entry

sexta-feira, 8 de maio de 2015

DIA DA VITÓRIA


Nenhum vencedor, seja lá o que isso, em sua imprecisão, queira dizer, o é porque vence(a)dor: se fosse, mais ainda (o) seria um perdedor, porque se, perdendo-a, há possibilidade, mesmo que à revelia de seus desejos (ou, eventualmente, atendendo a algum deles, embora tudo isso se passe muito ao nível do inconsciente), de vir, novamente, a achá-la, sem tê-la procurado, com tal dor como que lhe vindo ao encontro ou, pelo impacto presumido, pelo choque quase certo, pelo trauma inevitável, vindo-lhe “de encontro”, no caso (do) vencedor, tê-la vencido não significa, até que se prove que isso se deu numa batalha final, com o subjugamento total da dor, sem qualquer possibilidade comprovada de sua futura reabilitação, que essa dor não ressurja, obrigando o vencedor, que já cantava loas a si mesmo, que já se autoglorificava por ter ganho a guerra, a admitir que toda sua luta vitoriosa foi não mais do que uma (de quantas outras mais?) batalhas, enquanto que ao perdedor é dada, em igualdade de possibilidades, tanto achá-la como nunca mais dar de cara com a dor perdida.

Assim, não cantem vitória já, ó vencedores: a depender do estado de suas cordas vocais, de tanto cantar antes do tempo, havendo já aí calos – como que nós nessas cordas –, cantar assim, vitorioso, fará com que o vencedor, muito antes do que imagina (se imagina isso), reencontre a dor, podendo, numa reação natural, querendo gritar, aumentar ainda mais sua própria dor. E tal conselho, dado por um perdedor que já cantou vitória, por um vencedor que reencontrou o que sequer era perdido, vencida a dor, serve também para o reverso de toda moeda em mãos de qualquer vencedor, pois, perdedores, chorar a derrota da hora, se em alguns é alívio, por mais efêmero que isso seja, mesmo que outros jurem ser científico seu valor terapêutico, noutros pode ser razão suficiente, já perdida a dor, para avistá-la por perto, e tão próximo a ela que não haverá tempo bastante para se desviar de um inevitável encontro.

Por que, afinal, tantos desejam assim se tornarem vencedores? Certamente não é por, estoicos, vencerem a (própria) dor, inclusive porque um estóico de verdade não a vence, tão-só aprende a conviver com ela, sem que isso queira dizer que tal convívio tenha algum poder anestésico. Deve ser por se acreditarem que, vencedores, terão oportunidade de experimentar muitos prazeres antes da dor, ficando com sua lembrança (dos prazeres), espécie de anestésico-placebo que alguns garantem ter reais efeitos, e ou de experimentarem tantos prazeres depois de passar essa dor, agindo tal expectativa de prazeres futuros como o tônico necessário para se atravessar esse (doloroso) caminho.

Quem quer ser perdedor? É provável que ninguém o queira, ainda que isso possa significar perder a dor que ora tanto incomoda: e se não por crer que de nada vale essa perda, se não há qualquer segurança de se ficar imune, daí para frente, a ela, talvez porque se considere (e isso é o que deve fazer de alguém um verdadeiro perdedor) que não é uma troca proveitosa, lucrativa mesmo, perder a dor da hora, se não há perspectiva segura de muitos prazeres amanhã, num hedonismo ocioso de sombra-e-água-fresca.

CHICO VIVAS
Read rest of entry
 
Related Posts with Thumbnails

Seguidores

My Blog List

Marcadores

Abrir o coração (1) Adulto (1) Ajuste de contas (1) Alfaiate (1) Alienação do trabalho (1) Alimentação (1) Alimento (1) Amante (1) Amigo (1) Amizade (2) Amor em cada porto (1) Anjo (1) Anjo exterminador (1) Anjo-da-guarda (1) Apertar o cinto (1) Aquiles (1) Arquitetura (1) Arrmesso de cigarro (1) Arte (1) Astronauta (1) Atriz (1) Bailarina (1) Balconista (1) Balzac (2) Banana (1) Barroco (1) Bernard Henri-Levy (1) Boa forma (1) Bolo de dinheiro (1) Bombeiro (1) Bondade (1) Botões (1) Brás Cubas (1) Cachorro sem dono (1) Caetano Veloso (1) Café (1) Café com açúcar (1) Café puro (1) Caminhos desconhecidos (1) Cão (1) Capadócia (1) Capadócio (1) Cara de anjo (1) Caridade (1) Carmem Miranda (1) Carta (1) Carta na manga (1) Cartão-postal (1) Cartas (1) Carteiro (1) Cartógrafo (1) Casados (1) Caso Dreyfuss (1) Cauby Peixoto (1) Cecília Meireles (1) Celulares (1) Chaplin (1) Chuva (1) Circo (2) Cliente (1) Coelho na cartola (1) Comida (1) Compositor (1) Compulsão (1) Construção (1) Consumo (1) Conteúdo adulto (1) Coração (1) Cordialidade (1) Coreografia (1) Corte-e-costura (1) Criação do mundo (1) Criatividade (1) Criativos (1) Cruz (1) Culto ao corpo (1) Cura (2) Cura da Aldeia (1) Dança (1) Datilografia (1) Datilógrafo (1) Democracia (1) Deus (1) Dia da Abolição da Escravatura (1) Dia da alimentação (1) Dia da amante (1) Dia da amizade (1) Dia da árvore (1) Dia da bailarina (1) Dia da banana (1) Dia da caridade (1) Dia da chuva (1) Dia da criança (1) Dia da criatividade (1) Dia da cruz (1) Dia da democracia (1) Dia da família (1) Dia da fotografia (1) Dia da infância (1) Dia da lembrança (1) Dia da liberdade de imprensa (1) Dia da Língua Portuguesa (1) Dia da mentira (1) Dia da pizza (1) Dia da Poesia (1) Dia da preguiça (1) Dia da propaganda (1) Dia da telefonista (1) Dia da tia solteirona (1) Dia da velocidade (1) Dia da vitória (1) Dia da voz (1) Dia das mães (3) Dia das saudações (1) Dia de Natal (1) Dia de Santo Antônio (1) Dia de São João (1) Dia de São Jorge (1) Dia do adulto (1) Dia do alfaiate (1) Dia do amigo (2) Dia do anjo-da-guarda (1) Dia do Arquiteto (1) Dia do artista plástico (1) Dia do astronauta (1) Dia do ator (1) Dia do balconista (1) Dia do bombeiro (1) Dia do café (1) Dia do cão (1) Dia do cardiologista (1) Dia do cartão-postal (1) Dia do carteiro (1) Dia do cartógrafo (1) Dia do circo (1) Dia do cliente (1) Dia do compositor (1) Dia do contador (1) Dia do datilógrafo (1) Dia do dinheiro (1) Dia do disco (1) Dia do encanador (1) Dia do escritor (2) Dia do esporte (1) Dia do estudante (1) Dia do filósofo (1) Dia do fotógrafo (1) Dia do goleiro. Dono da bola (1) Dia do intelectual (1) Dia do inventor (1) Dia do leitor (1) Dia do mágico (1) Dia do mar (1) Dia do marinheiro (1) Dia do Museólogo (1) Dia do nutricionista (1) Dia do órfão (1) Dia do palhaço (1) Dia do panificador (1) Dia do Pároco (1) Dia do pescador (1) Dia do poeta (1) Dia do pombo da paz (1) Dia do professor (1) Dia do profissional de Educação Física (1) Dia do silêncio (1) Dia do soldado (1) Dia do solteiro (1) Dia do sorriso (1) Dia do telefone (1) Dia do trabalho (2) Dia do tradutor (1) Dia do trigo (1) Dia do vendedor de livros (1) Dia do vidraceiro (1) Dia do vizinho (1) Dia dos Pais (1) Dia mundial do rock (1) Dia Universal de Deus (1) Dinheiro (1) Doença (1) Doistoiévski (1) Ecologia (1) Encanador (1) Enigmas (1) Entrando pelo cano. Desencanar (1) Escravo da palavra (1) Escrever (1) Escritor (2) Espécie em extinção (1) Esporte (1) Esquecimento (1) Estado civil (1) Eterno estudante (1) Família Desagregação familiar (1) Fardos (2) Fernando Pessoa (1) Filosofia (2) Filósofo (1) Florbela Espanca (1) Fogueira (1) Fogueira das Vaidades (1) Fome (1) Fonte dos desejos (1) Fotografia (1) Fotógrafo (1) França (1) Freguês (1) Ganhar o pão com o próprio suor (1) Gentiliza (1) Gianlorenzo Bernini (1) Gourmand (1) Gourmet (1) Graciliano Ramos (1) Grandes autores (1) Guerra (2) Guimarães Rosa (1) Hércules (1) Ideal de paz (1) Ideia pronta (1) Imaginação (1) Imprensa (1) Imprensa livre (1) Infância (2) Infância perdida (2) Ingmar Bergman (1) Intelectual (1) Invenção (1) Inventor (1) Irmãos Karamázovi (1) Isaurinha Garcia (1) Jardim das Cerejeiras (1) Jesus (1) Jogo de palavras (1) José (1) Juventude (1) Lado bom das coisas (1) Lágrima (1) Leitor (1) Lembrança (1) Ler a si mesmo (1) Letra e música (1) Levantamento de copo (1) Liberdade (2) Liberdade de expressão (1) Liberdade de pensamento (1) Língua (1) Língua Portuguesa (1) Livros (1) Loucura (1) Luta (1) Machado de Assis (1) Mãe (2) Magia (1) Mágico (1) Mal-traçadas linhas (1) Mania de perseguição (1) Mapas (1) Máquina de escrever (1) Mar (1) Marcel Proust (1) Maria (1) Marinheiro (1) Medicina (1) Médico (1) Médico de alma (1) Memória (1) Memórias (1) Mentira (1) Mesa (1) Metamorfose ambulante (1) Mistérios (1) Misticismo (1) Morte (1) Mundo da lua (1) Museu (1) Natal (1) Navegação (1) Navegação é preciso (1) Nêga (1) Negro (1) O Êxtase de Santa Tereza de Bernini (1) O Garoto (1) Órfão (1) Os doze trabalhos de Hércules (1) Pai (1) Palavras (1) Palhaço (1) Pão (2) Pão de cada dia (1) Paradoxo de Zenão (1) Pároco (1) Paz (1) Peito aberto (2) Pensamento (1) Pescador de homens (1) Pescador de ideia (1) Picco de la Mirandola (1) Pizza (1) Poesia (2) Poeta (1) Pombo da paz (1) Praga de mãe (1) Preço de banana (1) Preguiça (1) Professor (1) Propaganda (1) Propaganda é a alma do negócio (1) Psicologia (1) Razão (1) Realidade (1) Referências bíblicas (1) Religião (1) Rock (1) Rock and roll (1) Sabedoria (1) Saber (1) Santa Tereza de Ávila (1) Santo Antônio (1) São Jorge (1) São Miguel (1) São Paulo aos Coríntios (1) Satisfação (1) Saudação (1) Saudade (1) Shakespeare (1) Soldado (1) Solidão (1) Solteiro (1) Solteirona (1) Sorriso (1) Tântalo (1) Tcheckov (1) Telefone (1) Telefonista (1) Tempo (1) Tereza de Ávila (1) Tirania (1) Toques de celular (1) Torre de Babel (1) Trabalhador em teatro (1) Tradutor (1) Trigo (1) Trocadilho (1) Truque (1) Tudo acaba em pizza (1) Velhice (1) Velocidade (1) Vendedor (1) Vendedor de livros (1) Verdades (1) Victor Hugo. Oscar Wilde (1) Vida (1) Vida amarga (1) Vidraceiro (1) Vidro (1) Vizinhança (1) Vizinho (1)