Da política da boa vizinhança só restou, se tanto, a política: coisa para inglês ver, embora, historicamente, com seus interesses expansionistas camuflados(?) com a fantasia assinada por Disney, tenha mais a ver com os americanos. E ambos, em seus subúrbios elegantes, sem paredes geminadas, separados pelo respeito ao direito de cada um ter sua própria parede, independentemente de se ser arrimo de família, uns com arquitetura aristocrática de inspiração palaciana, outros, em que pese sua prestigiada república, arquitetado com referências monárquicas, ainda que devidamente revistas, convenientemente maquiadas, surgem-nos como terreno propício para se cultivar uma boa vizinhança, mantendo-se cada um na sua (terra), algo distantes, distanciados, entrevendo-se aí mesmo alguma frieza nas relações, em flagrante contraste com as nossas próprias, autoproclamadas como calorosas, sempre dispostos a emprestar ao vizinho uma xícara de açúcar, mesmo que disso ele não esteja precisando, talvez por preferir adoçante artificial, apenas para assim se demonstrar que não somos tão frios, que nos importamos com os outros.
Vizinho bom, há de garantir quem já penou com sua vizinhança, é aquele que se vê de tempos em tempos, o suficiente para que se tenha construído, nesse meio-tempo, alguma novidade em relação ao último encontro, mesmo que seja somente um mero detalhe a se acrescentar, o bastante para alimentar uma troca de cumprimentos, indesejável que haja longas histórias, cada uma com seus múltiplos detalhes, todos eles narrados detalhadamente, e justamente na hora em que de menos tempo dispomos, encurralados então entre a necessidade, quase imperiosa, de pormos um ponto final nessa(s) história(s) e a de não parecermos um daqueles vizinhos mal-humorados, do tipo que se deseja que, um dia, precise, preferencialmente ainda hoje, de uma xícara de açúcar, crente ele de que somos sua salvação, para, havendo tábuas de sobra, deixarmo-lo naufragar, amargamente, ou, o que talvez gere maior prazer, o de servi-lo sim, com multiplicada prestimosidade, oferecendo não uma xícara, mas o quilo, pacote ainda fechado, na esperança de que isso lhe chegue, apesar da doçura evidente, como uma tapa bem dado.
Mas há vizinhos que mal veem os seus, não sendo, vizinhos que também são, vistos por outros, numa invisibilidade generalizada, tacitamente acordada: o que pode ser bem conveniente, especialmente quando se espera que um vizinho feche os olhos para o que, não devendo ter visto, viu, mesmo que, reciprocidade exigida para se manter o acordo, mantenhamos os nossos olhos abertos, até ávidos por verem o que não deveriam, só pelo prazer de, encontrando o vizinho, encará-lo, como a lhe dizer “eu vi”, ou, o que pode ser ainda mais eloquente, diante dele, fingirmos que não (o) vimos.
Inseguros, vizinhança deixou de ser o morador ao lado, ou mesmo o de cima, ou de baixo, para, geograficamente, designar os arredores, embora não se possa confiar cegamente nas vistosas arquiteturas como chancela de boa vizinhança.
CHICO VIVAS