Houve
tempo em que arte e técnica (ars e τέχνη: téchne) eram a mesma coisa. Ser artista era ter habilidade específica
para desempenhar bem um trabalho: o que, hoje, chamamos, simplesmente, até com
certo desapreço, de técnico - alguém que domina um processo, às vezes, tão
especificamente que pouco entende de outro, por mais aparentado àquele, sem, no
entanto, a criatividade que se tornou pressuposto do artista. Artista, assim, é
o imaginoso; técnico, o "engenhoso". Talvez as únicas exceções de
respeito sejam o incansável Leonardo, que dominava o pincel e engendrava, em
seu próprio tempo, o futuro, e, por conta dessas delícias da língua, o
"engenhoso" Dom Quixote, pai de todos os delírios.
Dizer que
mãe é arte e pai é técnica (engenho) levantaria suspeitas de que se está a
negar às mães as habilidades que "constroem" este mundo,
entregando-as, depois de terem sido expostas ao (poético?) sofrimento
paradisíaco, a uma intuitividade sem muito pensar.
Mas, de
fato, a maternidade é concepção, criação: é algo que, virtual para os pais, já
é real para as mães. A eles cabe esperar. É como se, técnicos, incapazes, por
imperativo biológico ainda não contestado, de "imaginar" o filho,
fossem obrigados a aguardar o trabalho do artista, da artista, para, só assim e
então, pôr mãos à obra, pôr suas mãos - sempre inábeis, a princípio, por mais
técnicos que sejam - sobre a obra.
Se se
quiser avançar numa discussão que não há de levar a nenhum lugar atraente,
pode-se perguntar se a obra é (mais) do artista que a concebe, que a imagina,
ou se do técnico que, em posse do projeto de criação (até onde se pode se
apropriar de uma fantasia), leva-o adiante.
Virando-se
essa história de ponta cabeça, talvez se chegue a uma conclusão inversa: os
pais são a concepção, o riscado da obra, enquanto as mães, como forno cálido
para cerâmica demorada, o trabalho duro e árduo que se atribui ao técnico,
negando-o, injustamente, ao artista, por não se associar esforço e exsudação
aos riscos, às rasuras, às dúvidas e até mesmo às certezas que não são um
alívio, mas apenas um passo adiante na tortura que é a busca da obra perfeita.
Conciliadoramente,
coisa que, aliás, costuma-se atribuir mais às mães, aceita-se que a criação é
conjunta.
Aos pais,
com especificidade de gênero, falta poesia que sobra para as mães. Ainda que a
arte, sentindo-se esgotada (como uma mãe cansada, mas incapaz de se dar por
vencida), já tenha flertado com a técnica, fazendo de velocidades já
ultrapassadas e de máquinas hoje relegadas à história uma poesia moderna,
olha-se ainda sem justo apreço para a técnica que ergue um monumento,
devotando-o quase todo ao artista.
Resta,
como um consolo, o hábito de se usar o masculino, mesmo quando, no conjunto da
obra, há outro gênero. Ainda se ouve "quem é o pai da obra?", podendo
a resposta ser uma mãe - se não de fato, ao menos, em potencial. Esse consolo
também está em risco.
Culpa do
Criador. Que, como se sabe, é Pai. E Mãe