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domingo, 14 de agosto de 2016

A TÉCNICA DE SER PAI COM ARTE


 
Houve tempo em que arte e técnica (ars e τέχνη: téchne) eram a mesma coisa. Ser artista era ter habilidade específica para desempenhar bem um trabalho: o que, hoje, chamamos, simplesmente, até com certo desapreço, de técnico - alguém que domina um processo, às vezes, tão especificamente que pouco entende de outro, por mais aparentado àquele, sem, no entanto, a criatividade que se tornou pressuposto do artista. Artista, assim, é o imaginoso; técnico, o "engenhoso". Talvez as únicas exceções de respeito sejam o incansável Leonardo, que dominava o pincel e engendrava, em seu próprio tempo, o futuro, e, por conta dessas delícias da língua, o "engenhoso" Dom Quixote, pai de todos os delírios.
Dizer que mãe é arte e pai é técnica (engenho) levantaria suspeitas de que se está a negar às mães as habilidades que "constroem" este mundo, entregando-as, depois de terem sido expostas ao (poético?) sofrimento paradisíaco, a uma intuitividade sem muito pensar.
Mas, de fato, a maternidade é concepção, criação: é algo que, virtual para os pais, já é real para as mães. A eles cabe esperar. É como se, técnicos, incapazes, por imperativo biológico ainda não contestado, de "imaginar" o filho, fossem obrigados a aguardar o trabalho do artista, da artista, para, só assim e então, pôr mãos à obra, pôr suas mãos - sempre inábeis, a princípio, por mais técnicos que sejam - sobre a obra.
Se se quiser avançar numa discussão que não há de levar a nenhum lugar atraente, pode-se perguntar se a obra é (mais) do artista que a concebe, que a imagina, ou se do técnico que, em posse do projeto de criação (até onde se pode se apropriar de uma fantasia), leva-o adiante.
Virando-se essa história de ponta cabeça, talvez se chegue a uma conclusão inversa: os pais são a concepção, o riscado da obra, enquanto as mães, como forno cálido para cerâmica demorada, o trabalho duro e árduo que se atribui ao técnico, negando-o, injustamente, ao artista, por não se associar esforço e exsudação aos riscos, às rasuras, às dúvidas e até mesmo às certezas que não são um alívio, mas apenas um passo adiante na tortura que é a busca da obra perfeita.
Conciliadoramente, coisa que, aliás, costuma-se atribuir mais às mães, aceita-se que a criação é conjunta.
Aos pais, com especificidade de gênero, falta poesia que sobra para as mães. Ainda que a arte, sentindo-se esgotada (como uma mãe cansada, mas incapaz de se dar por vencida), já tenha flertado com a técnica, fazendo de velocidades já ultrapassadas e de máquinas hoje relegadas à história uma poesia moderna, olha-se ainda sem justo apreço para a técnica que ergue um monumento, devotando-o quase todo ao artista.
Resta, como um consolo, o hábito de se usar o masculino, mesmo quando, no conjunto da obra, há outro gênero. Ainda se ouve "quem é o pai da obra?", podendo a resposta ser uma mãe - se não de fato, ao menos, em potencial. Esse consolo também está em risco.
 
Culpa do Criador. Que, como se sabe, é Pai. E Mãe

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

DIA DE NATAL



É preciso ter coragem de dizer, com todas as letras, que tudo parece já ter sido dito – com todas as letras, e até, isso nos parece, com um pouco mais – a respeito do Natal: quem sabe se, dando-se crédito a João, porque “No começo, era o...Verbo”?!

Assim sendo, que mais dizer, sem que isso seja, tão-só, o vazio repetir de tudo o que já foi dito e, dizendo-se uma vez mais, acrescentando-lhe ainda mais letras; letras essas que, se o que dito já fora foi dito com todas as letras, mas sem ir além, ocupar-se-á, agora em avançar nesse exagero sobre um tema que mais eloquente se torna se se trocar as palavras, as tantas, por algum silêncio, desde que seja um que não se associe à covarde lógica de que não é preciso abrir a boca, evitando os comprometimentos, por mais protocolares, acrescentando mais palavras, pois tudo, afinal, já foi dito, mesmo que haja lacunas visíveis, mas um calar-se que, ao mesmo tempo, dá oportunidade ao outro de falar (mesmo que essa chance que assim se lhe dá seja usada para dizer o que dito já fora), e a si mesmo de (se) escutar – seja o que muito se tem dito sobre o que já se disse tanto, seja o pouco que se está dizendo sobre o que de nós se esperava bem mais, seja, enfim, escutar o próprio silenciar.


E eu, aqui, pareço apenas (me) repetir, fazendo isso com mais palavras ainda, talvez para não me dar oportunidade de me escutar: porque não suportaria, por muito tempo, esse meu atávico tagarelar, ou porque os ecos constantes (e repetidos, e repetitivos) do silêncio são ainda mais difíceis de aguentar.
Vem-me à cabeça, num esforço que pode muito bem estar acima do meu poder, dizer algo que ainda dito não foi, buscando uma originalidade arriscada, podendo, como resultado, se exitoso então em meu esforço, dizer apenas mais uma banalidade – mesmo que original(?) -, ou, caso contrário, logrando apenas dar minha modesta(!) contribuição para a mais extensa das antologias(?!) de frases-feitas; feitas, claro, com palavras, muitas palavras, carecendo, não raro, justamente, daquele Verbo que lhes serviu, formalmente, de ponto de partida.

O ponto, aqui, é...final – ou quase.

Antes, uma recordação: nos meus dias poucos, naqueles em que as palavras não eram tantas (não havia necessidade de um largo vocabulário para os estreitos desejos de então), o que me acendia os olhos não era a promessa (que não era feita) ou a expectativa (sem a promessa, a espera se dilui) do presente, uma “embalada surpresa” para tantos – e assim mais pela falta de hábito de pontuar a data desse modo...comercial -, e que hoje se adivinha nos pedidos insistentes, mas, sim, o aparecer, como se de um espaço místico, de caixas comuns, algo empoeiradas, guardando, envoltas em jornais sem novidade agora, as peças de um presépio. Aquilo calava-me...mesmo que passasse ao largo do Verbo, tão, iconograficamente, presente; talvez porque vivendo dias em que, pelo calendário, já havia deixado para trás a gramática escolar do resto do ano.


Como já não consigo, hoje, ficar calado, nem mesmo diante de presépios (infrequentes, de resto) monumentais, mantendo minha boca fechada: FELIZ NATAL!
E está dito.


CHICO VIVAS
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sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

DIA DO ARQUITETO




Numa didática bastante infantil (apropriada para crianças), ensina-se que as palavras são como tijolos (como “tijolinhos”), e que, juntando-se umas às outras, constrói-se... Quanto ao quê, pode-se, seguindo a mesma linha fantasiosa, dizer que se constrói de tudo, tudo o que se quiser, embora, lançando uma semente de dúvida nesse mundo-em-construção, perfeito como então deveria ser, pode-se também se manter lacônico, apenas se afirmando esse “poder construtivo” das palavras, não indo, no entanto, além.

Tijolos levantam paredes, erigem muros, e tudo isso, valendo-se das palavras, pela força da metáfora, transforma-se em símbolo do “apartamento”, da separação, e que, frequentemente, é atribuído justamente à falta de palavras. Assim, tem-se que elas podem ser a unidade mínima, como verdadeiros tijolos, de um monumento ao entendimento (embora se saiba o quanto, em meio a milhares de tijolos, uma palavra mal colocada, assentada com fragilidade, fora do prumo é capaz de fazer, provocando, de imediato, às vezes, certa estranheza, com aquela sensação de que há algo errado, fora do seu lugar, mesmo que não se localize o erro em questão, e depois podendo chegar, caso tenha havido comprometimento da estrutura, ao ponto de se ter de pôr abaixo o que com tanto afinco se construiu – isso se não se quiser correr o risco de, à vontade do acaso, ver tudo desmoronar, sem aviso prévio).

A falta de palavras constrói paredes e muros que separam, trazendo consigo uma desvantagem a mais: não se identificando com exatidão o ponto de desequilíbrio, ou se atira (atiram-se palavras) para todos os lados, crendo que desse modo se derrubará essa “barreira de silêncio”, ou se cala, calando fundo em si mesmo aquele silêncio, aumentando-o por isso, fortificando-se ainda mais a estrutura que se desejava ver ruir.
Engana-se, contudo, quem acha que tal separação só se dá com o silêncio – com essa espécie de negação das palavras, descrença no poder dos tijolos -, porque as palavras, igualmente, podem ser a matéria-prima dos maiores isolamentos, infensos eles a (outras) palavras, por mais fortes, chegando-se a lançar mão, em sentido inverso, de palavras delicadas, na esperança de que isso trinque o muro, rache a parede.

Tijolos são sempre iguais. E são melhores (para a construção) quanto mais parecidos uns com os outros forem, descartando-se mesmo aqueles que apresentam um detalhe a mais ou a menos, tudo em função da eficiência da obra. Palavras são únicas, não se repetem, mesmo que “repitamos” muitas delas (enquanto construímos nossas frases): e quanto mais variadas, maior será a possibilidade de se construir melhor.

O silêncio não é nenhum furo nesta construção (aqui, de palavras): ele talvez seja, silêncio-em-bloco, o furo pelo qual o ar passa, tornando a superposição de palavras um edifício de firmeza confiável e não um castelo (sem furos seus tijolos) de cartas.

CHICO VIVAS
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domingo, 22 de novembro de 2015

DIA DO VIZINHO


Da política da boa vizinhança só restou, se tanto, a política: coisa para inglês ver, embora, historicamente, com seus interesses expansionistas camuflados(?) com a fantasia assinada por Disney, tenha mais a ver com os americanos. E ambos, em seus subúrbios elegantes, sem paredes geminadas, separados pelo respeito ao direito de cada um ter sua própria parede, independentemente de se ser arrimo de família, uns com arquitetura aristocrática de inspiração palaciana, outros, em que pese sua prestigiada república, arquitetado com referências monárquicas, ainda que devidamente revistas, convenientemente maquiadas, surgem-nos como terreno propício para se cultivar uma boa vizinhança, mantendo-se cada um na sua (terra), algo distantes, distanciados, entrevendo-se aí mesmo alguma frieza nas relações, em flagrante contraste com as nossas próprias, autoproclamadas como calorosas, sempre dispostos a emprestar ao vizinho uma xícara de açúcar, mesmo que disso ele não esteja precisando, talvez por preferir adoçante artificial, apenas para assim se demonstrar que não somos tão frios, que nos importamos com os outros.

Vizinho bom, há de garantir quem já penou com sua vizinhança, é aquele que se vê de tempos em tempos, o suficiente para que se tenha construído, nesse meio-tempo, alguma novidade em relação ao último encontro, mesmo que seja somente um mero detalhe a se acrescentar, o bastante para alimentar uma troca de cumprimentos, indesejável que haja longas histórias, cada uma com seus múltiplos detalhes, todos eles narrados detalhadamente, e justamente na hora em que de menos tempo dispomos, encurralados então entre a necessidade, quase imperiosa, de pormos um ponto final nessa(s) história(s) e a de não parecermos um daqueles vizinhos mal-humorados, do tipo que se deseja que, um dia, precise, preferencialmente ainda hoje, de uma xícara de açúcar, crente ele de que somos sua salvação, para, havendo tábuas de sobra, deixarmo-lo naufragar, amargamente, ou, o que talvez gere maior prazer, o de servi-lo sim, com multiplicada prestimosidade, oferecendo não uma xícara, mas o quilo, pacote ainda fechado, na esperança de que isso lhe chegue, apesar da doçura evidente, como uma tapa bem dado.

Mas há vizinhos que mal veem os seus, não sendo, vizinhos que também são, vistos por outros, numa invisibilidade generalizada, tacitamente acordada: o que pode ser bem conveniente, especialmente quando se espera que um vizinho feche os olhos para o que, não devendo ter visto, viu, mesmo que, reciprocidade exigida para se manter o acordo, mantenhamos os nossos olhos abertos, até ávidos por verem o que não deveriam, só pelo prazer de, encontrando o vizinho, encará-lo, como a lhe dizer “eu vi”, ou, o que pode ser ainda mais eloquente, diante dele, fingirmos que não (o) vimos.

Inseguros, vizinhança deixou de ser o morador ao lado, ou mesmo o de cima, ou de baixo, para, geograficamente, designar os arredores, embora não se possa confiar cegamente nas vistosas arquiteturas como chancela de boa vizinhança.

CHICO VIVAS
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terça-feira, 17 de novembro de 2015

DIA DA CRIATIVIDADE


É preciso uma boa dose de criatividade para não se associar ela própria ao acaso, como se só pudesse acontecer assim, como um relâmpago, fugaz, inapreensível para além de meros segundos, às vezes insuficientes para se perceber o que se está passando, podendo ser que tudo não passe de um relâmpago mesmo: é duro convencer alguém de que a criatividade pode ser uma conquista baseada no trabalho, árduo até (alguns, parecendo então “criativos”, dirão que um criativo de verdade encontraria uma maneira de sê-lo sem tanto trabalho, reiterando certa ideia de que a criatividade precisa, para se revelar, de terreno fértil, sendo este justamente uma certa lassidão, o não comprometimento com o horário, como se se devesse estar sempre à disposição para quando a criatividade, enfim, desejasse, a seu bel-prazer, acontecer, parecendo mesmo que escolhe os momentos mais impróprios, quando não se tem lápis e papel à mão, tendo-se então de se recorrer à própria memória - papel que aceita, por tempo limitado, o que o lápis lhe escreve, inscrevendo nela, como se cavasse fundo, tal qual criança que, ainda inábil nessas artes, força a mão, pressionando em demasia o lápis, marcando o papel -, o que dá a falsa confiança de que, escrito, não mais se apagará.

Esperam-se comumente da criatividade soluções definitivas para todos os problemas: criativa como é, no entanto, sabe que se resolver tudo de uma vez estará matando-se, pois, sem necessidade posterior de se encontrar (novas) soluções, para que ser criativo? Só se for para inventar problemas.

Verdade que a arte – que, em tese, não tem qualquer compromisso em encontrar soluções, até se prestando mais a acrescentar novos problemas – também se vale, e muito, da criatividade, chegando mesmo a se valorizar mais aquela (arte) francamente criativa, entendendo-se isso como um ato sem consciência, um trabalho sem aparente esforço, do que uma que se baseia no estudo continuado, nos esboços reiterados, na insatisfação constante, na obra que, afinal, tendo começado, não dá a conhecer se já está no (seu) meio, fim que é adiado frequentemente para se a melhorar.

Criatividade mesmo talvez (e não afirmo, categoricamente, porque me falta criatividade suficiente para justificar, com categoria, o que afirmo) seja encontrar soluções para um problema ainda não “inventado”, sem que seja criativo de igual estatura aquele que, diante da solução já posta, usa toda sua criatividade para lhe encontrar o problema correspondente. Porque problemas são sempre mais fáceis de se achar, sendo, inclusive, a falta de criatividade um deles, embora não se possa deixar de notar que, em meio a “criativos” incansáveis, essa mesma falta possa ser a solução. Já soluções, não; não são tão fáceis assim de se encontrar, especialmente uma que venha precedida por um problema bem elaborado, posto com clareza, chegando a parecer ao seu proponente, ainda que um não-criativo, uma moleza sua solução, furtando-se de encontrá-la com o argumento (ético?) de que, se o fizesse, estaria exercendo ilegalmente uma atividade reservada para outros, sem temor de se assumir como nada criativo, mostrando o quanto essa (sua) criatividade, apesar de negada, existe.

Existem até criativos de plantão, sempre prontos, burocratas orgulhosos de serem assim, para dar respostas, com toda sua criatividade de manual, para as questões. Mas estes, mesmo que achem soluções, estão longe de serem a criatividade em pessoa.

CHICO VIVAS
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domingo, 15 de novembro de 2015

DIA MUNDIAL DA FILOSOFIA





O espírito irrequieto comunica ao corpo sua inquietação, e este, não podendo ficar parado, muda de lugar, e aí fica, até que, de novo, o espírito faça das suas, como se cultivasse na pele um bicho-carpinteiro que não o deixa ficar sossegado – e se isso se restringisse à inquietude d’alma, talvez daí surgisse uma obra de arte, um novo sistema filosófico, uma outra ciência, embora não baste ter um espírito traquina para se garantir um grande homem, ainda que aqueles que vieram a se tornar grandes assim, se não foram traquinas, quando meninos, perderam algo de sua real grandeza.

Mas, ao cochichar esse seu não poder ficar parado, diretamente, ao corpo, acaba por movimentar a história, fazendo de algumas personagens uns nômades anacrônicos, como se voltassem a uma pré-história, conscientes, no entanto, de que voltam no tempo sem a certeza de, um dia, perdidos no passado, reencontrarem-se com o presente.

No passado, Descartes, espírito dos mais buliçosos, prestes a conceber não apenas novas ideias filosóficas, mas a renovar a própria filosofia, ia de um a outro país, não esquentando lugar em nenhum, sempre em busca de tranquilidade para...pensar. Correu boa parte da (sua) Europa, indo parar na Holanda. Lá, em Amsterdã, julgou ter encontrado, enfim, seu pouso ideal: dizia ele que o povo, ali, estava tão preocupado em ganhar dinheiro, que, facilmente, deixá-lo-ia em paz.

Se fosse hoje, tadinho dele: o seu corpo devia estar muito bem preparado para ou armar sua tenda de nômade, já levantando-a, em busca de outro “camping”, levando consigo (será nas costas? na cabeça? no coração?) o próprio espírito, a verdadeira alma dessa (sua) peregrinação. Se eu dissesse, agora, olhando esse novo mundo como quem o olha de cima, como se não estivesse, eu próprio, nessa mesma história, quão “baixos” são esses países, isso seria um trocadilho com a Holanda – talvez, perdoável – e mal esconderia uma fingida objeção ao querer ganhar dinheiro; e tanto que se despreza a filosofia só porque esta não deve dar nenhum, nem aqui, nem em Amsterdã: ou será que isso é coisa do passado?!

Nada tenho contra o dinheiro. E como não estou concebendo novas ideias (não tenho cabeça para isso), uma nova ciência (não tenho conhecimento para tanto), nem uma obra de arte (coração, até que tenho algum, mas não é suficiente), pouco me importa que, na Holanda, ou em qualquer outra parte do mundo, pensem em dinheiro, desde que me deixem em paz, desde que, para ganhar o seu, não queiram me vender a paz a que, justamente (sei lá segundo qual filosofia), tenho legítimo direito.

Sou só um homem curioso – e não pretendo unificar o duplo sentido que essa frase encerra. Meu espírito também fica irrequieto, principalmente, quando tocado por uma lembrança – coisas do passado! Assim, ele comunica, em comichões, ao corpo, essa (sua) memória despertada, porém, ao contrário de um grande homem, não quero mudar; quero mesmo é ficar onde estou, e, tranquilamente, ir transferindo, da cabeça, do coração, sei lá de onde, para os dedos das mãos estas palavras, com resultado semelhante às artes de um menino traquina.

E basta isso para que eu me sinta em paz. Paz esta que eu desejaria, se conseguisse transportá-la do meu espírito para um corpo de palavras, comunicar-te, sem que ela perdesse, nesse trajeto através de estradas traiçoeiras e nas quais o menor descuido pode nos fazer perder as estribeiras, quase nos lançando numa guerra evitável, uma sequer de suas letras, chegando-te, assim, íntegra essa paz – no máximo, deixando, por onde passa, um rastro que leve de volta a casa aqueles que deixaram sua terra em busca de...paz: às vezes, guerreando, para isso.

Quanto ao dinheiro, quem nele não pensa? Afinal, nós somos, filosofando mais, filosofando menos, todos deste mundo – e dinheiro, como se sabe, apesar de ter seus intrincados mecanismos, decididamente, não é coisa do outro mundo.

CHICO VIVAS
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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

DIA DO INVENTOR


Nada: isso não passa de invenção!

E talvez seja mesmo. Mas, quem terá inventado (o) nada? E falar nisso (nos) faz pensar (pelo menos me faz, quem sabe se por eu não ter nada...mais importante para fazer) em tudo, sendo isso a própria especificidade do tema.

Dá para imaginar – e onde mais se inventa, senão na própria imaginação – que alguns dos mais famosos inventores eram pessoas de quem se diria, valendo-se da primeira impressão, que nem sempre é a falsidade em pessoa, não terem a menor imaginação, muito embora, com certa “razão”, pense-se que as invenções mais robustas encerram mais lógica que imaginação, não se percebendo, ou não se querendo fazer relevante tal percepção, que raramente se busca na lógica a necessidade de uma invenção, fazendo-me, mais comumente, o caminho inverso: dando-se conta de uma lacuna, uma necessidade ainda não satisfeita, imagina-se, primeiro, que se pode supri-la, depois, com o quê, entrando, com toda razão, a lógica, com seus cálculos e suas provas que não devem deixar margem a erro, para se vencer então o desafio do “como”, mesmo que ainda não se tenha vencido o desafio do “ter o que comer para todos”.

Mas, ao se pensar em invenção, vem-nos, diante dos olhos, até mais que as grandes invenções – talvez porque já bem incorporadas ao nosso cotidiano que nem as percebemos mais como grandes invenções, como se em lugar de terem saído, com esforços por vezes exaustivos, da imaginação de alguém, tivesse escapado, como que por encanto, das mãos do Criador -, aquelas invenções risíveis, absurdas, que parecem propor um problema a mais em vez de resolver aquele a que, idealmente, deve sua existência. E não faltam exemplos disso.

Aqui, contudo, não se verá uma lista deles. Porque, com boas intenções, ainda que com cálculo inexato, quis-se, sim, tornar a vida melhor – o que, na maioria dos casos, significa...ganhar tempo -, muito embora, complicada demais, a invenção, só para se saber usá-la, toma-nos um tempo precioso; isso sem se falar de uma eventual pressa (para ganhar tempo) do inventor em dar a público seu engenho, com visão mercadológica ou apenas com olhos altruístas, fazendo com que não se tenha testado convenientemente o invento, propondo-lhe todos os desafios possíveis, incorporando cada vitória, resolvendo cada derrota em uma nova melhoria, resultando, infelizmente, numa peça com defeito, ainda tão próximo seu aparecimento ao ato da compra, e o consequente envio para a assistência técnica, em que, essa é a impressão que se tem, todos estão com a vida ganha, mesmo que a desculpa para as reiteradas demoras seja justamente a falta de tempo.

Se “nada” é mesmo uma invenção, é das grandes: e como se achar algum defeito em nada? Desconfio, com essa minha imaginação da qual jamais saiu qualquer invento (e eu não estou inventando isso), que quem inventou nada também deve ter, obrigatoriamente, inventado tudo, já que quem é responsável pela invenção de tudo tem de ser, necessariamente, o mesmo “inventor de nada” – sem que se esteja assim se desmerecendo sua invenção.

Um dia – e isso já dá sinais de que vivo, por menos esperto que seja, há muito por este mundo de invencionices -, a máquina de escrever (e não me refiro a algum escritor levado ao extremo dos seus próprios esforços, físicos e intelectuais) – e essa história de máquina de escrever é quase datação com Carbono 14 – era, para mim, o ápice da imaginação de alguém, duvidando mesmo que fosse coisa de um homem. Hoje – e isso não faz de mim, de uma hora para outra, um homem de agora -, concentro meus espantos na caneta, a esferográfica mesmo: que ideia!

E só não vou ao lápis por temor de, nesse recuo no tempo, perder-me, além de, para quem me aturou até aqui, isso parecer (como se já não tivessem notado isso desde o princípio) pura perda de tempo.

CHICO VIVAS

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