Cada um tem sua receita, mas não se trata de nada muito original, embora, depois de tanto tempo, de tantas tentativas (algumas, provavelmente, com êxito, mal se sabendo se isso se deveu a se ter seguido, rigorosamente, a dita receita, ou se interveio aí o acaso, esse ingrediente verdadeiramente milagroso), não se conheça seu autor primeiro, tendo passado, de geração em geração como passa, por modificações, mesmo que nada notável, a ponto de ainda se identificar, de imediato, do que se trata; porém, se se for mais fundo, há de se encontrar certos traços mais particulares.
Entre os tais ingredientes, não podem faltar TRABALHO (que não se acha mais tão facilmente e que, não raro, entra na receita por mera tradição, ainda que se desconfie de que ele não é tão fundamental assim), ESFORÇO (que para alguns é mesmo sinônimo de trabalho, espécie de trabalho a mais, mas que pode ser entendido como a esperança envergonhada daqueles que preferem dizer que não desistem nunca), FÉ (um tipo de açúcar de confeiteiro que, espalhado por cima, não altera significativamente o bolo, servindo mais como enfeite, daqueles que, pronto o que mais importa, até atrapalha). Em algumas receitas, um tanto quanto rabiscado, sem caligrafia caprichada, quem sabe se assim de propósito, tendo-se a intenção de fazê-lo passar despercebido (para não melar a fé – de açúcar como é – e para não desvalorizar o esforço e o trabalho), aparece o ACASO – e que ninguém sabe muito bem o que é, onde encontrar (se encontrar, foi por acaso), conhecendo-se, tão-somente, sua capacidade de potencializar o bolo ou, como se lhe tirasse o recheio, esvaziá-lo de vez.
Essa é uma receita que se costuma autoprescrever: evita-se prescrever aos outros porque um dos grandes prazeres de se ter um bolo de dinheiro é tê-lo com alguma exclusividade, pois se se percebe que ele se tornou um arroz-de-festa, algo do seu doce amarga.
Há quem fique de olho da cozinha alheia para aprender o truque, acreditando, como parte da mística de se cozinhar, que não basta se seguir a receita, timtim por timtim, mas que é preciso dar aquele toque pessoal, não se importando então em se tomar para si um toque alheio, como se fosse mesmo pessoal.
Muitas vezes, isso tudo dá um bolo!...
A massa, no entanto, gosta de crer que, de repente, sentindo um cheirinho de dinheiro no ar, uma fornada desse bolo sairá e lhe será servida de bandeja: que nem precisa ser uma salva de prata, que nem precisa vir acompanhado por um bolo de gente numa salva de palmas, já que isso despertaria a atenção dos outros que, gulosos igualmente, quererão para si uma fatia: e sabe-se que um guloso de verdade jamais se contenta com pouco.
Pode parecer que até aqui venho mantendo isso em banho-maria, cozinhando em fogo brando, sem declarar, explicitamente, se também eu faço parte dessa legião de cozinheiros. Digo apenas que se já tivesse tirado o meu do forno, tirando, simultaneamente, o meu da reta, chamar-me-ia de cultor do bom paladar, amante da gastronomia, desbravador de sabores sutis.
Como não, dá para se adivinhar o quanto ainda tenho de ralar, que a vida não é mesmo doce de coco.
CHICO VIVAS
Entre os tais ingredientes, não podem faltar TRABALHO (que não se acha mais tão facilmente e que, não raro, entra na receita por mera tradição, ainda que se desconfie de que ele não é tão fundamental assim), ESFORÇO (que para alguns é mesmo sinônimo de trabalho, espécie de trabalho a mais, mas que pode ser entendido como a esperança envergonhada daqueles que preferem dizer que não desistem nunca), FÉ (um tipo de açúcar de confeiteiro que, espalhado por cima, não altera significativamente o bolo, servindo mais como enfeite, daqueles que, pronto o que mais importa, até atrapalha). Em algumas receitas, um tanto quanto rabiscado, sem caligrafia caprichada, quem sabe se assim de propósito, tendo-se a intenção de fazê-lo passar despercebido (para não melar a fé – de açúcar como é – e para não desvalorizar o esforço e o trabalho), aparece o ACASO – e que ninguém sabe muito bem o que é, onde encontrar (se encontrar, foi por acaso), conhecendo-se, tão-somente, sua capacidade de potencializar o bolo ou, como se lhe tirasse o recheio, esvaziá-lo de vez.
Essa é uma receita que se costuma autoprescrever: evita-se prescrever aos outros porque um dos grandes prazeres de se ter um bolo de dinheiro é tê-lo com alguma exclusividade, pois se se percebe que ele se tornou um arroz-de-festa, algo do seu doce amarga.
Há quem fique de olho da cozinha alheia para aprender o truque, acreditando, como parte da mística de se cozinhar, que não basta se seguir a receita, timtim por timtim, mas que é preciso dar aquele toque pessoal, não se importando então em se tomar para si um toque alheio, como se fosse mesmo pessoal.
Muitas vezes, isso tudo dá um bolo!...
A massa, no entanto, gosta de crer que, de repente, sentindo um cheirinho de dinheiro no ar, uma fornada desse bolo sairá e lhe será servida de bandeja: que nem precisa ser uma salva de prata, que nem precisa vir acompanhado por um bolo de gente numa salva de palmas, já que isso despertaria a atenção dos outros que, gulosos igualmente, quererão para si uma fatia: e sabe-se que um guloso de verdade jamais se contenta com pouco.
Pode parecer que até aqui venho mantendo isso em banho-maria, cozinhando em fogo brando, sem declarar, explicitamente, se também eu faço parte dessa legião de cozinheiros. Digo apenas que se já tivesse tirado o meu do forno, tirando, simultaneamente, o meu da reta, chamar-me-ia de cultor do bom paladar, amante da gastronomia, desbravador de sabores sutis.
Como não, dá para se adivinhar o quanto ainda tenho de ralar, que a vida não é mesmo doce de coco.
CHICO VIVAS
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