Avante, soldados!
Um dia, isso, antes de ser uma ordem superior, mesmo que então não viesse de uma patente tão acima na hierarquia dos uniformes de batalha, podendo ter soado ali bem próximo da falta de medalhas dos soldados em geral, mas com legitimidade para tanto, era um exortação para que fossem à luta, não tão distante de uma exortação heroica para que se pusesse tudo nessa guerra, ainda que, por princípio, não se recorresse, nesse tudo entrado em luta, à alma, sabendo-se que, mesmo que se lhe atribua a origem da bravura, ela de pouco vale, se o corpo não se faz, vivo, presente, não se recorrendo também, evitando-se evocar seu nome, ao coração, quem sabe se pelo temor de que isso acabasse por amolecer aqueles soldados, amolecendo-lhes o coração, a ponto de porem avante noções universais de compaixão e solidariedade – se isso é bem-vindo quando se dirige aos companheiros do mesmo lado, é, de todo, um risco demasiadamente alto quando se dirige aos adversários, não estando descartada a possibilidade de que se tenham feito de vítima(s) justamente por uma questão de “atração”, para assim atraírem esses sentimentos quase fraternais, armadilha relativamente recorrente e fácil em meio a nossas batalhas, frequente entre as nossas lutas, decisiva no calor de uma guerra prestes a ser perdida: então, vale tudo!
Toda essa descrição parece pintar um quadro (de bélico motivo) já passado: e não porque as guerras tenham ficado para trás, registradas pela História na conta do “um dia foi assim...”, mas porque muitas dessas guerras são declaradas, são lutadas, são vencidas (ou perdidas) com um distanciamento que não alimenta a autocrítica, apenas transformando uma cena corriqueiramente sangrenta em asséptica referência. Além do mais, outrora se passando nos campos próprios (de batalha, de guerra), afastadas dos olhos cotidianos (a não ser para os olhos que fazem desses mesmos campos seu próprio cotidiano), agora as lutas, com seus respectivos soldados, chamando-se assim não exclusivamente aos que estão formalmente do lado da lei, como também aos do outro lado, com seus exércitos (com hierarquias, alguma formalidade e gritos-de-guerra, mesmo que expressos no silêncio usado como estratégia), dão-se debaixo do nosso nariz, já se sabendo debaixo do quê um nariz está, irremediavelmente atado a esse posto na hierarquia do rosto, salvo alguma aberração, talvez mesmo resultado dos duros embates.
Já não se parte mais para a guerra: ela está sempre tão perto que um mínimo movimento pode jogar o soldado para fora do campo, deixando-o à margem da luta. Agora, parte-se para a guerra por nada, sem uma razão de estado, sem um conflito diplomático que esconde divergência de interesses – se maiores ou menores, isso depende do ponto de vista. Hoje, os soldados voltam (os que voltam) como se chegassem de um trabalho burocrático, ponto batido, prontos para o descanso, sem a pictórica mitificação do guerreiro exausto, até o dia de amanhã, quando devem estar prontos para nova (velha) batalha – e se não o estiverem, sem um atestado médico que confirme a verdade do seu estado, mesmo que documento falso, terão de, do mesmo modo, bater o ponto.
Longe os dias em que o tempo suspendia seu correr incansável, e o cotidiano, suas repetitivas tarefas para receberem os soldados que voltavam da guerra – os que voltavam, já que tantos encontravam, longe de casa, o solo santo, com uma cruz improvisada, do seu descanso para sempre. Não se veem mais soldados aos montes: isso seria presa fácil para um ataque de surpresa sobre essas hostes enfileiradas, mesmo que tantos assim ainda despertem um respeito temeroso, quando não pela farda com um ou outro galardão sem maior valor no mercado de penhores de metais preciosos. Os que são vistos, em trajes formais, em movimento de passeio parecem querer nos convencer de que vivemos em paz, essa mesma paz que eles dizem garantir, embora, pacificada a sociedade, para que mais soldados? Os que (já) não são vistos, ou são burocratas valentes ou, valentes ou não, foram vencidos, seja pelo tempo (de serviço, de vida), seja por essa vida de luta(s).
CHICO VIVAS