Ninguém mais lê Balzac, ainda que se insista em usar o derivado termo “balzaquiana” para as mulheres (acima) dos trinta, inspirando-se numa Julie D’Aiglemont ainda abaixo disso, não havendo, sintomaticamente, termo equivalente para os homens, como se estes jamais chegassem ou passassem dos trinta anos, ou, o que pode ser sintoma bem mais preocupante, como se para os homens pouca importância tivesse essa idade, sendo para as mulheres um limite informal. Mas, se se depara, ao acaso de uma velha biblioteca improvável, com o “Cura da Aldeia”, sente-se, de imediato, o pó em suspensão, o cheiro de antiguidade no ar (e a Loja de Antiguidades é outra obra de Honoré de Balzac).
Doença quase pandêmica, mal se sabe, hoje, o significado de uma palavra caída em desuso ainda ontem: às vezes, “ontem” mesmo, apesar de palavra em uso corrente, parece coisa do passado. Cura, então, requer, como remédio, um dicionário, e não um qualquer, mas um que preze palavras que já não se usam correntemente, inclusive porque aquilo a que fazem referência deixou de existir ou, existindo, perdeu sua importância, dando lugar assim a novas palavras – algumas, sem a menor importância.
Se se disser que um Cura pode ser entendido, com suas devidas restrições (que o tornam mais provinciano, na acepção não-preconceituosa do termo), como um Pároco, de cara, ah!..., interjeição prolongada como a querer dizer: “por que não disso logo?!”, para, a seguir, mal se disfarçar que se continua na mesma, sendo pároco algo que soa mais próximo, embora não o suficiente para que as dúvidas sejam desfeitas. Mas, deixando, por ora, o pároco de lado, aldeia é o quê?
Desde que MacLuhan “determinou”, como se demarcasse fronteiras (por contraditório que isso pareça), agindo como um pároco, agora bem mais elevado numa hierarquia que permite que se empreste às suas verdade uma aura de infalibilidade dogmática, o surgimento (o ato da Criação é o ápice dessa hierarquia) da Aldeia Global, não se sabe mais se toda aldeia, parte de um todo, é já o próprio todo, sem deixar de ser parte dele, ou se esse globo, um todo convicto do que é, nada mais pode ser que uma mera aldeia, como outra qualquer.
Se colocarmos esse Pároco-em-desuso numa Aldeia-sem-precisão, o que podermos ter? Talvez tenhamos que em aldeia globalizadas não se precisa mais de pároco, podendo-se recorrer aos seus superiores, até mesmo ao Superior, indo diretamente ao topo da escala.
Mas, como se chega ao último degrau sem se passar antes pelos intermediários? E mesmo que se possa ascender aos pulos, não haverá belezas nos degraus do meio que explicam a beleza maior do degrau derradeiro? Ou será que toda esta minha especulação não passa de uma lógica paroquial saída de uma cabeça-de-aldeia, quando hoje só se pensa em termos globais?
Respostas definitivas, como uma verdade impossível de ser contestada, não tenho, até porque ainda estou em degraus bem inferiores, sentado ali, lendo (um) Balzac, para a delícia dos gozadores que sobem de elevador panorâmico e, vendo-me ali, envolto no pó do tempo, tomam-me como um caso perdido, necessitado de “cura” urgente, provinciano como um aldeão que ainda recorre ao Pároco, quando, a essa “altura”, eles próprios já chegaram ao último andar, de onde, aliás, creem ter uma visão global. E se querem ir ainda mais alto, como um cidadão do mundo que não precisa de intermediários, heliponto ao lado, “sobem aos céus”.
CHICO VIVAS
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