Share

terça-feira, 24 de agosto de 2010

DIA DO SOLDADO



Avante, soldados!

Um dia, isso, antes de ser uma ordem superior, mesmo que então não viesse de uma patente tão acima na hierarquia dos uniformes de batalha, podendo ter soado ali bem próximo da falta de medalhas dos soldados em geral, mas com legitimidade para tanto, era um exortação para que fossem à luta, não tão distante de uma exortação heroica para que se pusesse tudo nessa guerra, ainda que, por princípio, não se recorresse, nesse tudo entrado em luta, à alma, sabendo-se que, mesmo que se lhe atribua a origem da bravura, ela de pouco vale, se o corpo não se faz, vivo, presente, não se recorrendo também, evitando-se evocar seu nome, ao coração, quem sabe se pelo temor de que isso acabasse por amolecer aqueles soldados, amolecendo-lhes o coração, a ponto de porem avante noções universais de compaixão e solidariedade – se isso é bem-vindo quando se dirige aos companheiros do mesmo lado, é, de todo, um risco demasiadamente alto quando se dirige aos adversários, não estando descartada a possibilidade de que se tenham feito de vítima(s) justamente por uma questão de “atração”, para assim atraírem esses sentimentos quase fraternais, armadilha relativamente recorrente e fácil em meio a nossas batalhas, frequente entre as nossas lutas, decisiva no calor de uma guerra prestes a ser perdida: então, vale tudo!

Toda essa descrição parece pintar um quadro (de bélico motivo) já passado: e não porque as guerras tenham ficado para trás, registradas pela História na conta do “um dia foi assim...”, mas porque muitas dessas guerras são declaradas, são lutadas, são vencidas (ou perdidas) com um distanciamento que não alimenta a autocrítica, apenas transformando uma cena corriqueiramente sangrenta em asséptica referência. Além do mais, outrora se passando nos campos próprios (de batalha, de guerra), afastadas dos olhos cotidianos (a não ser para os olhos que fazem desses mesmos campos seu próprio cotidiano), agora as lutas, com seus respectivos soldados, chamando-se assim não exclusivamente aos que estão formalmente do lado da lei, como também aos do outro lado, com seus exércitos (com hierarquias, alguma formalidade e gritos-de-guerra, mesmo que expressos no silêncio usado como estratégia), dão-se debaixo do nosso nariz, já se sabendo debaixo do quê um nariz está, irremediavelmente atado a esse posto na hierarquia do rosto, salvo alguma aberração, talvez mesmo resultado dos duros embates.

Já não se parte mais para a guerra: ela está sempre tão perto que um mínimo movimento pode jogar o soldado para fora do campo, deixando-o à margem da luta. Agora, parte-se para a guerra por nada, sem uma razão de estado, sem um conflito diplomático que esconde divergência de interesses – se maiores ou menores, isso depende do ponto de vista. Hoje, os soldados voltam (os que voltam) como se chegassem de um trabalho burocrático, ponto batido, prontos para o descanso, sem a pictórica mitificação do guerreiro exausto, até o dia de amanhã, quando devem estar prontos para nova (velha) batalha – e se não o estiverem, sem um atestado médico que confirme a verdade do seu estado, mesmo que documento falso, terão de, do mesmo modo, bater o ponto.

Longe os dias em que o tempo suspendia seu correr incansável, e o cotidiano, suas repetitivas tarefas para receberem os soldados que voltavam da guerra – os que voltavam, já que tantos encontravam, longe de casa, o solo santo, com uma cruz improvisada, do seu descanso para sempre. Não se veem mais soldados aos montes: isso seria presa fácil para um ataque de surpresa sobre essas hostes enfileiradas, mesmo que tantos assim ainda despertem um respeito temeroso, quando não pela farda com um ou outro galardão sem maior valor no mercado de penhores de metais preciosos. Os que são vistos, em trajes formais, em movimento de passeio parecem querer nos convencer de que vivemos em paz, essa mesma paz que eles dizem garantir, embora, pacificada a sociedade, para que mais soldados? Os que (já) não são vistos, ou são burocratas valentes ou, valentes ou não, foram vencidos, seja pelo tempo (de serviço, de vida), seja por essa vida de luta(s).

CHICO VIVAS

0 comentários:

Postar um comentário

 
Related Posts with Thumbnails

Seguidores

My Blog List

Marcadores

Abrir o coração (1) Adulto (1) Ajuste de contas (1) Alfaiate (1) Alienação do trabalho (1) Alimentação (1) Alimento (1) Amante (1) Amigo (1) Amizade (2) Amor em cada porto (1) Anjo (1) Anjo exterminador (1) Anjo-da-guarda (1) Apertar o cinto (1) Aquiles (1) Arquitetura (1) Arrmesso de cigarro (1) Arte (1) Astronauta (1) Atriz (1) Bailarina (1) Balconista (1) Balzac (2) Banana (1) Barroco (1) Bernard Henri-Levy (1) Boa forma (1) Bolo de dinheiro (1) Bombeiro (1) Bondade (1) Botões (1) Brás Cubas (1) Cachorro sem dono (1) Caetano Veloso (1) Café (1) Café com açúcar (1) Café puro (1) Caminhos desconhecidos (1) Cão (1) Capadócia (1) Capadócio (1) Cara de anjo (1) Caridade (1) Carmem Miranda (1) Carta (1) Carta na manga (1) Cartão-postal (1) Cartas (1) Carteiro (1) Cartógrafo (1) Casados (1) Caso Dreyfuss (1) Cauby Peixoto (1) Cecília Meireles (1) Celulares (1) Chaplin (1) Chuva (1) Circo (2) Cliente (1) Coelho na cartola (1) Comida (1) Compositor (1) Compulsão (1) Construção (1) Consumo (1) Conteúdo adulto (1) Coração (1) Cordialidade (1) Coreografia (1) Corte-e-costura (1) Criação do mundo (1) Criatividade (1) Criativos (1) Cruz (1) Culto ao corpo (1) Cura (2) Cura da Aldeia (1) Dança (1) Datilografia (1) Datilógrafo (1) Democracia (1) Deus (1) Dia da Abolição da Escravatura (1) Dia da alimentação (1) Dia da amante (1) Dia da amizade (1) Dia da árvore (1) Dia da bailarina (1) Dia da banana (1) Dia da caridade (1) Dia da chuva (1) Dia da criança (1) Dia da criatividade (1) Dia da cruz (1) Dia da democracia (1) Dia da família (1) Dia da fotografia (1) Dia da infância (1) Dia da lembrança (1) Dia da liberdade de imprensa (1) Dia da Língua Portuguesa (1) Dia da mentira (1) Dia da pizza (1) Dia da Poesia (1) Dia da preguiça (1) Dia da propaganda (1) Dia da telefonista (1) Dia da tia solteirona (1) Dia da velocidade (1) Dia da vitória (1) Dia da voz (1) Dia das mães (3) Dia das saudações (1) Dia de Natal (1) Dia de Santo Antônio (1) Dia de São João (1) Dia de São Jorge (1) Dia do adulto (1) Dia do alfaiate (1) Dia do amigo (2) Dia do anjo-da-guarda (1) Dia do Arquiteto (1) Dia do artista plástico (1) Dia do astronauta (1) Dia do ator (1) Dia do balconista (1) Dia do bombeiro (1) Dia do café (1) Dia do cão (1) Dia do cardiologista (1) Dia do cartão-postal (1) Dia do carteiro (1) Dia do cartógrafo (1) Dia do circo (1) Dia do cliente (1) Dia do compositor (1) Dia do contador (1) Dia do datilógrafo (1) Dia do dinheiro (1) Dia do disco (1) Dia do encanador (1) Dia do escritor (2) Dia do esporte (1) Dia do estudante (1) Dia do filósofo (1) Dia do fotógrafo (1) Dia do goleiro. Dono da bola (1) Dia do intelectual (1) Dia do inventor (1) Dia do leitor (1) Dia do mágico (1) Dia do mar (1) Dia do marinheiro (1) Dia do Museólogo (1) Dia do nutricionista (1) Dia do órfão (1) Dia do palhaço (1) Dia do panificador (1) Dia do Pároco (1) Dia do pescador (1) Dia do poeta (1) Dia do pombo da paz (1) Dia do professor (1) Dia do profissional de Educação Física (1) Dia do silêncio (1) Dia do soldado (1) Dia do solteiro (1) Dia do sorriso (1) Dia do telefone (1) Dia do trabalho (2) Dia do tradutor (1) Dia do trigo (1) Dia do vendedor de livros (1) Dia do vidraceiro (1) Dia do vizinho (1) Dia dos Pais (1) Dia mundial do rock (1) Dia Universal de Deus (1) Dinheiro (1) Doença (1) Doistoiévski (1) Ecologia (1) Encanador (1) Enigmas (1) Entrando pelo cano. Desencanar (1) Escravo da palavra (1) Escrever (1) Escritor (2) Espécie em extinção (1) Esporte (1) Esquecimento (1) Estado civil (1) Eterno estudante (1) Família Desagregação familiar (1) Fardos (2) Fernando Pessoa (1) Filosofia (2) Filósofo (1) Florbela Espanca (1) Fogueira (1) Fogueira das Vaidades (1) Fome (1) Fonte dos desejos (1) Fotografia (1) Fotógrafo (1) França (1) Freguês (1) Ganhar o pão com o próprio suor (1) Gentiliza (1) Gianlorenzo Bernini (1) Gourmand (1) Gourmet (1) Graciliano Ramos (1) Grandes autores (1) Guerra (2) Guimarães Rosa (1) Hércules (1) Ideal de paz (1) Ideia pronta (1) Imaginação (1) Imprensa (1) Imprensa livre (1) Infância (2) Infância perdida (2) Ingmar Bergman (1) Intelectual (1) Invenção (1) Inventor (1) Irmãos Karamázovi (1) Isaurinha Garcia (1) Jardim das Cerejeiras (1) Jesus (1) Jogo de palavras (1) José (1) Juventude (1) Lado bom das coisas (1) Lágrima (1) Leitor (1) Lembrança (1) Ler a si mesmo (1) Letra e música (1) Levantamento de copo (1) Liberdade (2) Liberdade de expressão (1) Liberdade de pensamento (1) Língua (1) Língua Portuguesa (1) Livros (1) Loucura (1) Luta (1) Machado de Assis (1) Mãe (2) Magia (1) Mágico (1) Mal-traçadas linhas (1) Mania de perseguição (1) Mapas (1) Máquina de escrever (1) Mar (1) Marcel Proust (1) Maria (1) Marinheiro (1) Medicina (1) Médico (1) Médico de alma (1) Memória (1) Memórias (1) Mentira (1) Mesa (1) Metamorfose ambulante (1) Mistérios (1) Misticismo (1) Morte (1) Mundo da lua (1) Museu (1) Natal (1) Navegação (1) Navegação é preciso (1) Nêga (1) Negro (1) O Êxtase de Santa Tereza de Bernini (1) O Garoto (1) Órfão (1) Os doze trabalhos de Hércules (1) Pai (1) Palavras (1) Palhaço (1) Pão (2) Pão de cada dia (1) Paradoxo de Zenão (1) Pároco (1) Paz (1) Peito aberto (2) Pensamento (1) Pescador de homens (1) Pescador de ideia (1) Picco de la Mirandola (1) Pizza (1) Poesia (2) Poeta (1) Pombo da paz (1) Praga de mãe (1) Preço de banana (1) Preguiça (1) Professor (1) Propaganda (1) Propaganda é a alma do negócio (1) Psicologia (1) Razão (1) Realidade (1) Referências bíblicas (1) Religião (1) Rock (1) Rock and roll (1) Sabedoria (1) Saber (1) Santa Tereza de Ávila (1) Santo Antônio (1) São Jorge (1) São Miguel (1) São Paulo aos Coríntios (1) Satisfação (1) Saudação (1) Saudade (1) Shakespeare (1) Soldado (1) Solidão (1) Solteiro (1) Solteirona (1) Sorriso (1) Tântalo (1) Tcheckov (1) Telefone (1) Telefonista (1) Tempo (1) Tereza de Ávila (1) Tirania (1) Toques de celular (1) Torre de Babel (1) Trabalhador em teatro (1) Tradutor (1) Trigo (1) Trocadilho (1) Truque (1) Tudo acaba em pizza (1) Velhice (1) Velocidade (1) Vendedor (1) Vendedor de livros (1) Verdades (1) Victor Hugo. Oscar Wilde (1) Vida (1) Vida amarga (1) Vidraceiro (1) Vidro (1) Vizinhança (1) Vizinho (1)