De tanto lhe lançarem à cara, então já deslavada, ou seja, não ainda lavada, com todas as marcas de uma cara assim, que não viu pela frente água e sabão, nem sempre como uma acusação, apesar do delito evidente, às vezes como um elogio, o roubo contumaz de mulheres, não se lhe atribuindo, no entanto, qualquer rapto (o roubo com segundas intenções), o cara se achou o próprio...palhaço.
Olhou-se ao espelho, como se ensaiando um “olhe para minha cara”, repetindo por diversas vezes, em busca do tom ideal, concertando as palavras com um ritmo que lhes emprestaria eloquência, pronto para, ensaios findos, finalmente encarar o público, sabe-se lá se respeitável, em flagrante desafio, contestando aquelas insinuações acerca de roubos, como se dissesse ser incapaz de ato assim, e não tanto por não ter capacidade para roubar uma mulher, e sim por não lhe ser necessário recorrer a esse artifício, tendo outros recursos para “roubá-las”, de livre-vontade (delas): e não nos espantemos se toda sua arte sedutora estiver justamente na cara, mesmo que camuflada pela discrição de uma face comum, sem uma palidez que chame a atenção e sem cores fortes demais que, como flor exuberante, ainda que de papel, atrai abelhas desavisadas.
Que palhaçada! Quando isso é trabalho, igual a qualquer esforço, burocrático, na hora marcada, com um improviso calculado ou, espontâneo, mas tão repetitivo que não vê nenhuma graça se a casca de banana não está no seu devido lugar, como se deixasse cair ao acaso, despercebida aos olhos, e assim a queda não ocorre no horário combinado, mesmo que o público ria de qualquer modo, rindo, inclusive, se não da piada, apenas para manter seu prestígio de “respeitável”.
Há quem ache uma certa graça amarga ao imaginar que por trás da máscara picaresca do palhaço, caído seu disfarce, se revela sempre, ainda uma (outra) máscara, mas já agora a própria, sem pinturas, uma outra face desse mesmo sujeito, por dever, engraçado, mostrando-nos, represada até o fim do espetáculo de sorrisos mambembes, uma quase cristalizada lágrima, sinal, ao mesmo tempo, do profissionalismo desse cara e do quando pode custar caro viver assim, tendo de amargar suas tristezas em meio a pantomimas divertidas, espremendo, ao máximo, um sorriso nostálgico para daí se tirar uma sonora gargalhada.
Que faríamos, se descobríssemos, por termo-nos escondido, terminado o espetáculo, em algum canto do circo, que o palhaço não usa maquiagem, que aquela que (nos) mostra é mesmo sua verdadeira cara, ou que detrás da pintura não há um sujeito nada amargo, mas até, naturalmente, mais engraçado, sendo que, talvez, tenha-se tornado palhaço justamente para ter como esconder do público sua face real, motivo de risos sem graça, sendo-lhe mais tolerável ouvir os risos, carregados de graça, por causa de sua cara pintada ou pela especulação calada de alguém que, vendo-o no palco, fica a maquinar sobre o que pode estar por trás de tudo isso?
Cumpri meu papel. E como ainda tenho, para manter a máscara, de roubar alguma mulher, dou por terminado o (meu triste) espetáculo.
CHICO VIVAS
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