Há coisas verdadeiramente incompreensíveis neste mundo de meu Deus. Entre elas, com o perdão da coisificação, o próprio Deus, sendo que essa (Sua) incompreensão é um dos Seus atributos mais admirados, embora, desconfio eu, tal admiração possa se dar por um medo infantil de uma reprimenda Paterna, com consequências mais graves que o efêmero ar sério do pai, ou por certa incapacidade de “compreender”, fruto de uma preguiça de pensar ou por se ter pensado já o suficiente e ter chegado à conclusão de que não vale a pena ir adiante, porque é coisa das mais difíceis compreender o incompreensível, havendo nisso nítida contradição entre termos, antagonismo inconciliável de ideias, certa antinomia forçada, retórica até compreensível, mas nem por isso perdoável.
Do que se sabe a respeito de Deus, Ele é infinito, eterno, ainda que, incriado, não tenha existido sempre: mas enveredar por essas escuridões teológicas é se perder numa selva de estranhezas que a nossa humanidade terrena, com pés no chão, tem dificuldade em escapar sem maiores arranhões. Deus, onisciente, é também onipresente, e, ubíquo, não apenas “está sempre”, como está sempre em todos os lugares, ao mesmo tempo, ocupando cada espaço do universo.
O que (já) é sem fim não poderia comportar o ilimitado, embora não seja de estranhar que o sem-limites possa caber no infinito: isso, no entanto, é alargar demasiadamente o que não tem dimensão, o que sequer conhece isso, ainda que, autor de tudo, deva também ter criado todas as dimensões possíveis (e, considerando o potencial de exploração da “terceira dimensão”, com plateias ávidas por novidades, se o Autor cobrar por seus (legítimos) direitos de Criador, é lucro...líquido e certo).
Então, que sentido tem – eu sempre a buscar explicações, sem aceitar o incompreensível, compreendendo assim o subido mistério que há nisso – num Dia Universal de Deus? Para mim, é nada. E nada não porque seja pouco, e sim porque nada, para mim, é o máximo da (minha) incompreensão: sequer compreendo quando, diante dessas minhas incompreensões, alguém diz, diminuindo o que não compreendo, que isso “não é nada”, como se, nessa oração curta, dissesse tudo – e que isso fique bem compreendido.
Pode-se levantar a questão sobre a necessidade de Deus (se Ele tem alguma) de ter um Dia que Lhe seja Universal: os que Lhe são muito próximos dirão que isso não é nada para Quem tem todos os dias, bem além do que temos nós; já os que se mantêm a certa distância, talvez, por isso, com uma visão panorâmica, enxergando mais, ainda que percam alguns detalhes, dirão que dia como esse é fácil de se compreender, que isso é necessidade não divina, mas humana, seja para render graças em troca de outras graças (uma gracinha que esperam não Lhe passe despercebida, desde que esteja com bom humor nesse dia), seja para, simplesmente, preencherem seus próprios dias, dias contados como são os de todo homem, embora – que grande incompreensão! – nenhum deles saiba contá-los com exatidão antecipada: e “contar depois”, de que adianta?
Se Deus é o próprio universo, ou – para alguns isso faz toda a diferença, mesmo que permaneça incompreensível para outros – o universo é o próprio Deus, que mal pergunte, hoje é mesmo dia de quê?
CHICO VIVAS
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