
Deixemos as certezas (e o tempo dirá que nem eles mesmos as têm) para os meteorologistas de plantão, despertos, enquanto outros dormem cheios de previsões, a tarefa de dizer, com uma esperta margem de erro que sempre dá margem a que nela se incluam os erros de previsão, o tempo que fará logo mais. Não nos tirem, a menos que sejamos um deles, a delícia de fazermos planos olhando, com elas mesmas como testemunhas das nossas legítimas intenções, as estrelas sobre uma noite clara, sem que haja, nesse horizonte ora escamoteado pela escuridão, a mínima possibilidade, pois não lidamos com o impossível, de reversão das expectativas.
E lá vem, na hora certa, o novo dia, realizando em seu fulgor nossas noturnas esperanças – e, a essa altura, não se sabe, nem é necessário disso se saber, se chegou assim o dia porque essa era a sua roupa de chegada, independentemente do traje que antecipadamente, ainda na noite de ontem, houvéramos escolhido, ou se se sentiu amedrontado, um tanto quanto coagido com aquelas certezas (logo nós que não fazemos das previsões do tempo um meio de vida) divididas com as estrelas, já que tão altas, talvez, indiscretas e sem conseguirem guardar segredos, passaram adiante, lá de cima, o roteiro que preparamos de véspera.
E se nada do que pensáramos se confirmar, se o tempo mudar, da noite para o dia, seja lá porque tinha mesmo de mudar (trocar de roupa sem com a nossa moda se importar), seja para deixar claro que não vai se intimidar com as nossas arrogantes certezas (melhor é tomar cuidado com a língua solta das estrelas), ou seja, tão-somente, para ratificar a previsão de um meteorologista de plantão, sem descartar a possibilidade de contrariá-lo nessa sua ciência de olhos no céu e pés bem plantados no chão, não nos tirem a delícia quase sem igual (a anterior é melhor) de reclamar do tempo, de sua instabilidade, de dizer que nem nele se pode mais confiar, abjurando estrelas a ponto de daí por diante recusar a olhar o céu (quanto tempo isso vai durar?!), ter de mudar de plano (sacando do bolso o plano B, porque, apesar de tudo, somos, quem sabe se por já termos sido enganados assim, um pouco “previdentes”) ou então desistir de tudo, de última hora, do que havíamos tão detalhadamente sonhado, até com a roupa já escolhida e ainda agora ali ao lado, como que rindo de nós com aquelas cores claras, que se destacam, em sonora e colorida gargalhada, nesse dia que aguardávamos claro, e nos veio desse jeito.
Estrelas!... Deixemo-las para lá, que lá em cima é que é seu devido lugar: se houver delícia em cruzar os dedos ao ver, no papel, pontos cruzados entre planetas, desenhando o destino – o nosso, claro – como temos sonhado, cruzando espaços em viagens sem fim, ou cruzando os mares e conhecendo todos os portos, delícia maior é, confiando ou não nesses mapas (traçados por um deus de plantão), ora consolar-se, dizendo-se que tudo (nos) virá no tempo certo, sem deixarmos, porém, de, a todo instante, olhar o relógio, sacudi-lo para fazê-lo voltar a andar mais depressa ou perguntando as horas para saber se ele não está atrasado e descobrir, assim, que está até um tanto, um tantinho assim, adiantado – “Todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam debaixo do céu...Há tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou”: Eclesiastes –, ora se desconsolar com tempo que levou para chegar, enfim, a hora de se arrancar o que se plantou, embora, disfarçadamente, para não dar na vista, bastante satisfeito por, enfim, ter chegado o tempo – “O destino zomba de nós ao nos oferecer o presente que nos negou na hora certa”: Montaigne.
Seja como for, desde que não sejamos meteorologistas, viver... E se formos, por profissão, ganhando a vida a fazer “previsões”, dai-nos, meu Deus, o direito de acreditarmos, ainda de véspera, olhando a noite, no dia de amanhã do jeito que havíamos planejado, sem, contudo, esquecermos, mesmo que disfarçadamente, de rir, juntamente com aquelas roupas claras, se tivermos, de uma hora para outra, de mudar de plano: B, C, até o alfabeto inteiro de esperanças, e que é infinitamente maior do que aquele que (nos) serve para escrever “realidade”.
CHICO VIVAS
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