Nenhum vencedor, seja lá o que isso, em sua imprecisão, queira dizer, o é porque vence(a)dor: se fosse, mais ainda (o) seria um perdedor, porque se, perdendo-a, há possibilidade, mesmo que à revelia de seus desejos (ou, eventualmente, atendendo a algum deles, embora tudo isso se passe muito ao nível do inconsciente), de vir, novamente, a achá-la, sem tê-la procurado, com tal dor como que lhe vindo ao encontro ou, pelo impacto presumido, pelo choque quase certo, pelo trauma inevitável, vindo-lhe “de encontro”, no caso (do) vencedor, tê-la vencido não significa, até que se prove que isso se deu numa batalha final, com o subjugamento total da dor, sem qualquer possibilidade comprovada de sua futura reabilitação, que essa dor não ressurja, obrigando o vencedor, que já cantava loas a si mesmo, que já se autoglorificava por ter ganho a guerra, a admitir que toda sua luta vitoriosa foi não mais do que uma (de quantas outras mais?) batalhas, enquanto que ao perdedor é dada, em igualdade de possibilidades, tanto achá-la como nunca mais dar de cara com a dor perdida.
Assim, não cantem vitória já, ó vencedores: a depender do estado de suas cordas vocais, de tanto cantar antes do tempo, havendo já aí calos – como que nós nessas cordas –, cantar assim, vitorioso, fará com que o vencedor, muito antes do que imagina (se imagina isso), reencontre a dor, podendo, numa reação natural, querendo gritar, aumentar ainda mais sua própria dor. E tal conselho, dado por um perdedor que já cantou vitória, por um vencedor que reencontrou o que sequer era perdido, vencida a dor, serve também para o reverso de toda moeda em mãos de qualquer vencedor, pois, perdedores, chorar a derrota da hora, se em alguns é alívio, por mais efêmero que isso seja, mesmo que outros jurem ser científico seu valor terapêutico, noutros pode ser razão suficiente, já perdida a dor, para avistá-la por perto, e tão próximo a ela que não haverá tempo bastante para se desviar de um inevitável encontro.
Por que, afinal, tantos desejam assim se tornarem vencedores? Certamente não é por, estoicos, vencerem a (própria) dor, inclusive porque um estóico de verdade não a vence, tão-só aprende a conviver com ela, sem que isso queira dizer que tal convívio tenha algum poder anestésico. Deve ser por se acreditarem que, vencedores, terão oportunidade de experimentar muitos prazeres antes da dor, ficando com sua lembrança (dos prazeres), espécie de anestésico-placebo que alguns garantem ter reais efeitos, e ou de experimentarem tantos prazeres depois de passar essa dor, agindo tal expectativa de prazeres futuros como o tônico necessário para se atravessar esse (doloroso) caminho.
Quem quer ser perdedor? É provável que ninguém o queira, ainda que isso possa significar perder a dor que ora tanto incomoda: e se não por crer que de nada vale essa perda, se não há qualquer segurança de se ficar imune, daí para frente, a ela, talvez porque se considere (e isso é o que deve fazer de alguém um verdadeiro perdedor) que não é uma troca proveitosa, lucrativa mesmo, perder a dor da hora, se não há perspectiva segura de muitos prazeres amanhã, num hedonismo ocioso de sombra-e-água-fresca.
CHICO VIVAS
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