O lugar, embora já um tanto geograficamente distante, diante do sofrimento deixado para trás, com essa vã esperança (essa van de esperança(s)) de que tivesse mesmo se perdido no passado, por mais próximo que este ainda se mantivesse, perigosamente, do presente, um sofrer já pretérito, surgia, a olhos que buscavam, com desespero, um alívio imediato – porque, nessa hora, pensar no futuro, mesmo que do pretérito, é puro desperdício de tempo –, como um promissor paraíso, confundindo, nos olhos dessas mães, presas quase que ontologicamente fáceis de propagandas “sofríveis”, as lágrimas de dor, espécie de fim de carreira de um rio até então caudaloso, com as lágrimas de alegria por, enfim, se aportar num cais seco: e a ironia, tendo como autoras as próprias mães (e não mães da própria ironia), é que o lugar, batizado ainda em meio a lágrimas, com a água e o sal do rito, se chamava...Paraíso. Ser mãe, portanto...
Que tal lugar fique num vale é de pouca importância, um detalhe topográfico que não altera o mapa. No entanto, que esse vale, não se sabendo mais, porque já demasiadamente recuado no tempo quem assim o nomeou, se chame Vale de Lágrimas é de despertar a curiosidade. Será que há aí um fio d’água, tênue e tímido, quase que lágrimas envergonhadas de se verterem em público, e que, mais à frente, encorpando-se a cada passo, se transformará num rio, daqueles que, de tão caudalosos, se prestam à associação fácil com sofrimentos correntes, com dores perenes? Ou será que rio algum há nesse lugar, servindo, por isso, de motivo de graça para os que, com água farta e à porta, dizem que tal vale não presta, que não vale nada?
Não é de agora que o lugar é reserva quase que exclusiva das mães, defendido por muitas com as mesmas unhas e com os mesmos dentes que certa poesia antropológica costuma assegurar que elas mostram quando da defesa das crias. Não sendo de agora, é, certamente, assim já há gerações de mães, de mães de mães, avós que não perdem o título de mães (para garantir sua gleba nesse Vale), como se se apegassem, por esse nome, a um título de propriedade, com direito, em que pesem as alegrias (algumas tão insólitas que se desmancham, sem solidez, no ar), a sua própria cota de sofrimento(s) nesse Paraíso.
Diga-se, em defesa das exceções, que uma ou outra mãe (há homens nesse lugar: afinal, são eles que “garantem as mães”, mesmo quando elas é que são o arrimo da família), tomada de súbita alegria, crendo-a duradoura, lançou a ideia de se rebatizar o lugar, tirando as lágrimas do vale: ideia recusada com veemência pela maioria das mães, seja em nome da tradição, seja em defesa de um clichê sempre à mão.
Ninguém, contudo, foi capaz de sugerir a troca do Paraíso, por mais que sua fantasia de um lugar digno de se chamar assim contrastasse com a paisagem circundante: e a razão, tácita, calada no íntimo de cada um(a), era a de que, não se chamando Paraíso, como iria se chamar esse lugar?
Hoje, as mães daí – avós, bisavós, todas para sempre mães – lamentam, fazendo isso com propriedade, que as novas almejem viver em outros lugares, mesmo que ainda desejem, no coração sem tempo de mulheres modernas, um paraíso de anúncio imobiliário, desde que não se chame de Vale de Lágrimas – e se há lugares assim, com nome tão, aparentemente, pouco comercial, é porque os espertos especuladores conhecem bem o mercado, sabendo da demanda, por vezes, reprimida.
As novas mães – se é possível atualizar algo tão concertado com a atemporalidade –, mães que sequer se veem com avós, menos ainda como bisavós, por mais que se cerquem de precauções para uma vida longa, calculam se vale a pena trocar um paraíso pago em trinta anos, ainda elas aos trinta, por uma maternidade que tem entre suas alegrias a de (faltando argumentos e palavras) sofrer: num Paraíso ou num Vale que já se sabe de quê.
CHICO VIVAS
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