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sexta-feira, 21 de maio de 2010

DIA DE SANTA RITA


A que nunca foi santa – claro! – nem se chamava mesmo Rita. Outra se chamava, assim ignorada, Margarita, aquela que tinha cabelo nas ventas, com certa malandragem, necessária para a própria sobrevivência, e usando luvas três-quartos. Mas, deixando de lado toda esta ladainha, antes que ouça um “ora pro nobis” a revelar enfado, não se vendo a hora de tudo isto chegar ao fim, apelando-se – o que já demonstra o grau de desespero que desperto – para a padroeira das causas impossíveis, Rita, santa desde sempre, levando isso vida afora como destino ou como estigma, adia sua entrada na vida religiosa, cumprindo antes os papéis que lhe estavam reservados sem, contudo, uma consulta prévia a sua vontade, admitindo-se, sem qualquer possibilidade de contestação, que essa era a vida de toda mulher, que, inclusive, uma mulher não se sentiria plenamente assim se sem marido, sem filhos, mártires que muitas se tornam com um “sim” sob as barbas (brancas?) do Pai, naquela romântica esperança (se houver uma que não o seja) de que as coisas impossíveis, quando compartilhadas com quem se ama, tornam-se possíveis por uma suposta união de forças.

De Cássia, com seus desesperos próprios, tantos calados, para o mundo, para um mundo de impossibilidades à espera de uma padroeira, patronesse dessas causas, indiscutível referência pelo espinho, como pedra destacada de uma coroa “cravejada”, importado do alto, cravando-se em sua testa: a (outra) Rita, do Ziegfeld Follies, por si, um mundo à parte, para Hollywood, o mesmo, então, que o próprio mundo, talvez mesmo um pouco mais, porque se o mundo foi capaz de inventar Hollywood, esta inventou muitos, inclusive “outros mundos”, com um poder de convencimento capaz de fazer se descrer do mundo visível, irreal e fantasioso quando comparado àquele outro, fantasia de celuloide, irrealidade em movimento.

Falando nisso, o "Despertar de Rita" (de qualquer uma), de uma que se chame Margarita, ou Marilyn (que sequer se chamava assim), ou tenha que nome for, não é sempre o róseo desabrochar de um coração para um novo mundo, feérico e de portas abertas, não sendo isso uma garantia de eternas boas-vindas, embora comumente pensemos que o entrar de verdade na vida é a possibilidade (com ou sem a interferência da Santa, mais provavelmente sem) de se adentrar inferninhos, sem culpa, com todo prazer, quando, na verdade (em verdade, em verdade, eu vos digo, logo eu que, apesar do nome promissor, jamais serei santo), despertar para a vida é fazer com esta o que se quer, até onde o desejo próprio, unilateral, é capaz de ir, independentemente de se querer viver uma história que mais tarde inspirará um filme realista, ou uma biografia ficcionalizada, ou uma hagiografia confiável (porque baseada mais na fé).

Ali, onde o cravo penetrou a Santa, marcando-a iconograficamente para sempre, a atriz, com fios em excesso na testa, teve-os, sem dó nem piedade, arrancados, um a um, para melhor se construir uma mulher, uma como nunca houve outra igual. A santa permanece na (nossa) memória; a Hayworth sucumbiu precocemente à demência. Ambas, com a fé que se lhes queira devotar, fizeram história, fizeram, indiscutivelmente, sua própria história, com renúncias e avanços, como se faz qualquer uma (história, mulher, gente que fica na memória): e esse talvez seja o único despertar...possível.


CHICO VIVAS

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