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segunda-feira, 7 de junho de 2010

DIA DA LIBERDADE DE IMPRENSA






Se pedirmos, então carentes de outro apelo retórico, para que a senhora Liberdade (de Imprensa) abra suas asas sobre nós, é preciso que estejamos preparados para assumir os riscos de uma atitude indiscreta, reflexo condicionado a odores desagradáveis (quando percebidos no outro, embora passem, por vezes, despercebidos em nós próprios, confundindo-os, convenientemente, com um tal “cheiro natural”, até, os que não dão o braço a torcer, lançando mão do argumento discutível dos ferormônios, origem provável de todo seu poder de atração), ou então devemos estar preparados para reagir à quase incontrolável vontade de vedar as narinas, sentindo que com isso praticamos um ato socialmente inapropriado.

Assim como está dito, com toda essa liberdade de dizer, parece que essa Liberdade em particular não é dada a asseios regulares, limpezas necessárias, especialmente quando se vive tão intensamente no calor dos fatos, com todas as consequências já sabidas das subidas de temperatura, quando todos, invocando – já quase “invocados” por ainda não terem podido expressar seu ponto de vista – seu direito de dizer, levantam os braços, aos brados, porque, nas entrelinhas, a liberdade de imprensa parece se resumir (longe já o nariz-de-cera) ao dizer, jamais ao escutar, que imprensa que se preza fala como se não tivesse escutado, e quando escuta, contra sua vontade, faz isso sem dar ouvidos ao que lhe dizem.

Há quem acredite que a coisa já foi longe demais: e isso não quer dizer que algum cheiro, perdendo-se o controle sobre ele, se propagou, como péssima propaganda da imprensa. Então, liberdade ou não, tendo posto suas asinhas de fora, apesar de vetusta senhora sentada sobre os louros de ser um dos sustentáculos da democracia moderna (e uma senhora que se senta assim, com os louros, não deve ser lá tão vetusta como quer parecer), é melhor, dizem alguns, com toda a liberdade, embora a maioria aja na surdina, sem a coragem de publicar o que pensa, que, de uma vez por todas, antes que seja irremediavelmente tarde, que se cortem suas asinhas.

Esses são os que creem que todo voo depende exclusivamente da envergadura das asas, não prestando atenção a asas menores que permitem e sustentam um voo, enquanto outras, maiores, se fazem voar, não o fazem com mais propriedade, necessariamente. A liberdade não se mede (nem mesmo se sustenta), com exclusividade, em tudo poder fazer, nem a liberdade de imprensa, em tudo poder dizer: porque assim pode até ser liberdade (sem que haja um consenso a esse respeito), mas, certamente, não será digna imprensa.

Dizer o que se quer é ato individual, necessidade pessoal, demonstração particular de que se tem o que dizer. Dizer o que se julga, com inevitável poder discricionário, ser necessário que seja dito, na suposição de que será ouvido, é ato maior, ainda que as consequências desse ato venham a se mostrar diretamente proporcionais ao tamanho do ato.

Calar é temer abrir as asas e deixar exalar, com naturalidade, a necessidade de assepsia. Temer pôr as asinhas de fora, com receio de que assim elas estarão mais à vista, atraindo uma censura-predadora, é ir-se devorando: primeiro, por dentro, nas entranhas da liberdade, depois, exteriorizando, em imprensa venal, os cortes (das asinhas) prontamente aceitos, em nome da promessa de (por mais contraditório que pareça) maior envergadura empresarial.

Senhora! Quando a liberdade de dizer for fato relevante, com destaque na imprensa (não importando se, publicidade, é espaço legitimamente comprado), é hora de levantar as asas e, discretamente, cheirar(-se): talvez seja a hora de aparar os pelos.

CHICO VIVAS

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