Psiu!...
Os mal-entendidos, espertos como só eles, aproveitam-se de qualquer brecha para, como quem não quer nada, pôr as manguinhas de fora, surgindo tanto depois de muitas palavras, sendo conhecido, por tantos provérbios, o princípio de que quanto mais se fala, mais se erra, mais se dá bom-dia a equinos, mais se engolem moscas, quanto há mal-entendidos que medram no silêncio, lançando mão desse terreno aparentemente sem dono (ou com donos sim, mas que se mantêm silenciosos, não rompendo o silêncio, muitas vezes, sequer para defender seu terreno, até porque seria curiosamente divertido ver um silencioso assim, convicto, irrompendo em palavras tantas para, com unhas e dentes, principalmente com dentes, pela proximidade da língua, garantir a posse do (seu) legítimo silêncio): isso tudo sem falarmos daqueles que, em cima do muro, sequer descendo para admitirem essa sua posição elevadamente ambígua, tergiversando, ora dizendo que aquilo é baixo demais para se configurar num muro, muros que devem ser uma barreira, flagrante separação, ora que é alto demais, já não sendo muro, tendo há muito passado disso, tornando-se uma quase intransponível barreira, nem são silenciosos de todo, abrindo espaço para algumas palavras, nem são o palavreado solto em pessoa, guardando, a intervalos nem sempre regulares, certo silêncio.
Para evitá-los, mal-entendidos que sempre cruzam nosso caminho, esclareço que aquele “psiu!”, como pode parecer a alguns, quem sabe se silenciosos ávidos por romperem esse voto, não é um chamamento, como um “vem cá”, pressupondo-se que a partir daí a conversa correrá solta, ou, pelo menos, (o)correrá. Psiu, aqui, é mesmo, com o fantasma camarada da enfermeira bonitona por trás, com sua autoridade delicada, um pedido de silêncio. Se um minuto protocolar, se menos, sem que isso seja um desmerecimento, ou se mais, podendo ser isso já um exagero de silenciosos exacerbados, não sei, mas peço algum silêncio para homenagear, hoje que é seu dia, o próprio, ele mesmo: psiu! o Silêncio.
Alguém – e que pode ser um não-silencioso que não deixa passar a chance de dizer alguma coisa, portanto, afastando-se do silêncio – talvez argumente, com palavras sonoramente compreensíveis, que é pouco original homenagear o silêncio com (mais) silêncio, sendo ele já pródigo nisso, como se cheio de si mesmo, propondo um barulho daqueles. Enquanto isso, arrogantemente eloquentes, ainda que não deem essa impressão, os silenciosos, cultores do silêncio, cultivadores taciturnos dessa flor tácita, sem palavras, mas deixando isso bem claro, defenderão que um Psiu, convocação à mudez, é pouco como homenagem, embora, por mais curto que seja, o próprio psiu já é um corte, golpe duro para quem não admite que se desrespeite o silêncio.
Não sei se é original, mas proponho que, hoje, cada um diga “silêncio!”, e perceba as reações
CHICO VIVAS
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