Um dia, foi o vidro, símbolo de transparência, cometendo-se assim o duplo erro de não se levar em conta o quanto um vidro pode ser honestamente opaco, sendo mesmo por cálculo ou como consequência, nem sempre bem calculada, do desgaste de uma prolongada exposição, e errando-se ainda ao se supervalorizar a transparência, como se fosse virtude capital traduzir, de cara, todo seu íntimo na face, como se o velado (assim até que se resolva revelá-lo) emprestasse a alguém um caráter duvidoso, crendo-se, portanto, ser melhor exibir tudo, mesmo os vícios, sem dar-se o tempo necessário para que, escondido ainda, mas mantido sob vigilância, o vício possa se ultrapassado.
Depois, creio, foi a vez do papel, exercendo quase que com supremacia seu papel, até obscurecendo os vidros, fazendo com que estes experimentassem repentina opacidade, espécie de ostracismo compulsório. Mas o papel tem contra si a imagem (ainda que ela rigorosamente não haja) de folha em branco, ícone de uma candidez vazia e, sobretudo, covarde, na medida em que se prefira sustentar a brancura do papel, em nome de uma cândida reputação, a lhe inserir tentativas e erros, receosos nem tantos dos (próprios) erros, e sim do estado da folha, necessário que se fará usar uma borracha, sabendo-se o quanto de arte (uma arte naïve, daquela que os mais arrogantemente ingênuos costumam dizer que qualquer criança faria melhor) é exigido para se usar bem uma borracha.
Enfim, o plástico. E chegou pisando nos vidros, sem temor de cortes, machucando os papéis, sem medo de magoá-los. Reinando absoluto, deixou à margem os vidros que, algo amedrontados, recuaram nas prateleiras ou se homiziaram, com argumentos elitistas, nas gôndolas de conveniência dos poucos mais abastados. Quem reina assim acaba por, com o tempo, atrair inimigos. De repente, como um poço de petróleo que “explode” em jatos promissores, pipocaram, aos milhões, os inimigos do plástico, para deleite dos vidros (e dos vidros de doce de leite), para deleite do papel (encaixando-se aí o leite), acusando os plásticos de viverem quase uma eternidade, enquanto, a seu próprio favor, os vidros são recuperáveis, e os papéis são recicláveis.
Todo artista(-)plástico é (de) vidro, tendo de conviver ora com a transparência do íntimo que se espraia em telas, argila, ou outros materiais, mesmo que a outros olhos tal obra permaneça de uma opacidade desafiadora, ora com o opaco calculado, mas que encontra tradução transparente na ingenuidade de olhos-criança ou na equivocada leitura de adultos olhos que não admitem não “compreender” uma obra.
Todo artista(-)plástico é (de) papel, seja nos (seus) amassados que são transpostos, conscientemente ou não, para seus trabalhos, seja no planejado vazio da folha, espaço aberto para uma obra-em-progresso, mesmo que esse seu aparente não-acabar-mais tenha tido um ponto final.
Alguns artistas são (de) plástico moldável, aceitando (re)formas, outros (de) plástico não maleável, apegados demais a um eventual reinado absoluto, desprezando as críticas, sem perceberem que o ideal de eternidade (que nem o plástico, por mais longevo, conhece) se deve restringir à obra. Vivendo esta, o artista é (plástico) necessário. Vivendo o artista, muitas vezes, a obra é vidro que se quebra, papel que se rompe, plástico que tem contra si o futuro do planeta.
CHICO VIVAS
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