Trabalho hercúleo!… Um Hércules, hoje, seria, cumprindo à risca seu destino (de) operário, sem reclamar da sorte, o algoz – traidor da causa – da classe trabalhadora, com sua infatigável disposição para a luta, desprezando, unilateralmente, qualquer acordo coletivo, sem conhecer fim-de-semana, descanso remunerado (a menos que se o considere já muito bem pago, por todo o sempre, por ter se tornado mito e ainda sobreviver em nossa preguiçosa imaginação), férias, sendo que se seus dias conhecessem horas extras, além das mais ordinárias, comuns a todo homem, inclusive àqueles que nem se dão ao trabalho de olhar para o relógio, todo esse tempo a mais seria dedicado ao seu labor.
“Doze Trabalhos”: gritariam os líderes da classe, logo secundados por um coro ensaiado de “isso é uma exploração da mão-de-obra operária!” E pela ordem do cronograma a ser cumprido:
1. Matar o Leão de Neméia – e a isso se juntaria, de imediato, uma nova causa, a da preservação da fauna, sem se esquecer de denunciar o não pagamento de adicional de periculosidade e a falta de equipamentos de segurança.
2. Combater a Hidra de Lerna – uma luta a mais, e, agora, contra uma besta-fera de “muita cabeça”, sete, nove ou cinqüenta, a depender da imaginação do mitógrafo.
3. Matar o javali de Erimanto, sob o risco, fora o intrínseco a esse trabalho, de ser acusado de estar-se tornando o maior destruidor da biodiversidade do mundo.
4. Mais um animal na lista, desta vez, a corça, menos por ela própria, talvez bem mais por seus pés de bronze e seus chifres de outro, com todo esse metal, vil só para os mais tolos, indo, provavelmente, para as mãos, parar nas mãos, do patrão, sem que o desafortunado trabalhador ganhe um níquel sequer a mais, como se já ganhasse algum.
5. Chegando aos céus, pôr fim aos pássaros do Lago Estínfale, e não um, dois ou meia dúzia de papa-capins, mas tantos eram que, dizem, voando, encobriam a luz do sol: pobre Hércules!
6. Domar o touro da ilha de Creta – e até que, haja vista o que já se viu, não é, essa tarefa, aparentemente, o pior dos trabalhos do mundo: talvez acostumado, não se dominando, Hércules, indomado, acabou por matar o bicho.
7. Agora, a coisa entra na ilegalidade: furtar os cavalos de Diomedes, rei (da Trácia) e filho de deus (de Marte), sem que isso seja coisa do outro mundo: e os tais cavalos expeliam, na literalidade poética do mito, fogo pelas ventas. E fica a pergunta: teria Hércules recebido da CIPA um treinamento contra esses iminentes acidentes com fogo?
8. Matar, matar, matar: eis o trabalho de Hércules. As vítimas, agora, são as amazonas – guerreiras, corajosas, mulheres.
9. Bem feito para quem se curva assim à tirania patronal: limpar as estrebarias de Áugias – e o indigno desse trabalho não está em lidar, com toda a superioridade(?) da humana condição, com aquilo que, nas nossas “estrebarias domésticas”, é cotidiano, salvo uma ou outra “prisão” mais prolongada (que as perpétuas são fogo!), mas, convenhamos que é dureza fazer o asseio de uma “toalete” para três mil bois, e que em trinta anos, jamais viu uma descarga!
10. Combater Gerion, o mais forte dos homens: depois desta lista de “deveres de casa”, isto até parece brincadeira de meninos, mesmo sendo com (ou contra) Gerion
11. Roubar as maçãs (isso é coisa de menino!) do Jardim das Hespérides, maçãs de ouro (isso é coisa de homem!).
12. Enfim, o décimo segundo trabalho: tirar Teseu dos Infernos – e para quem já trabalhou tantos, já limpou bosta de boi (bullshit!), já apagou o fogo das ventas das bestas, esse último trabalho parece até o paraíso da classe operária.
Alienado, podem dizer desse Hércules. Herói da contra-causa que, para ganhar um lugarzinho na história, não hesitou em jogar no lixo tantos anos de luta por um ideal; e nem sequer recebeu um “muito obrigado”, já que um aumento salarial, nem pensar, que isso é um mito para a classe trabalhadora.
CHICO VIVAS
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