Essa gente é fogo! Onde há fumaça, apressa-se em chamar os bombeiros, já incendiada de fantasias que vão do fetiche do uniforme, com um capacete vermelho a lhes coroar, armadilha fácil para quem acredita que o doutor Sigmund explica mesmo tudo, até, sem sair dessa mesma Viena século dezenove, a mangueira, um fálico desenrolar que assume, a depender da extensão do incêndio, um priapismo que, mais cedo ou mais tarde, como rescaldo, vai por água abaixo, como se o efeito mágico de uma ciência em drágeas houvesse passado. Fantasiando ainda, todos os bombeiros, contrariando a universalização da obesidade, são sempre modelos para uma estatuária, mas que, na real, passa longe dos cânones clássicos de uma Grécia áurea, aproximando-se, pelos excessos, de inflados perfis, a um passo de ilustrarem calendários anacrônicos, e não porque estes já não marquem, com rigor, os dias, mas porque caíram em desuso, passando o tempo bem mais rapidamente do que se leva para, num mesmo mês, riscar o dia de ontem, para, num mesmo ano, passar para o mês seguinte.
E a fantasia perdura com o chamado urgente, como se no calor das chamas, para promover o salvamento de um gatinho sapeca que, por não se lhe ter cortado as asas (sequer aparado o pelo) a tempo, brincando de ser o que não é, querendo ser mais selvagem o que sua felinidade já domesticada, cedendo à chantagem do carinho eventual e do leite regular, subiu numa árvore e de lá não sabe como descer: e ver o bombeiro, heroico, destemido, risonho, apesar de contrariado com um resgate que não lhe renderá medalha, tendo de se contentar com um sorriso de agradecimento sublinhado por mal-agradecidos arranhões do gato já salvo, é alimentar a fantasia do forte delicado, do alto que se (re)baixa sem humilhação, chegando a parecer, nessa atitude, ainda mais alto; é dar de comer, nutrindo-a com porções fartas, à fantasia do homem terno (e que não precisa estar sempre com um uniforme), mais atraente ainda quando, fora do serviço, revela-se, surpreendentemente elegante, um homem-terno...e gravata.
A realidade, no entanto, é outra. Incêndios tomam conta, com mais frequência, como se cultivasse o fogo o gosto por pratos nada fartos, de lugares sem encanto; não raro, origem dos próprios bombeiros. Às vezes, por conta das expectativas concentradas numa vela, crendo-se que seu tamanho (ou o tempo que demora para se derreter toda) é proporcional às chances de ser agraciado: e quem sabe se entre os tantos pedidos contidos, por economia, numa mesma vela, não estará o de uma casa mais segura, apenas o suficiente para não se correr riscos desnecessários com uma vela.
A realidade dos bombeiros, embora eu não partilhe com eles a caserna, deve também ser bem outra: abdômen proeminente como sinal de “fartura desnecessária”, músculos lassos em membros arredondados artificialmente ou com a naturalidade de um aumento generalizado de peso, ainda que, nessa distribuição desigual, concentrados na barriga, dando a impressão de que há ali espaço para toda uma dinastia de reis – com suas respectivas damas, ou valetes, se estes forem (de) sua preferência. Quanto à realidade dos bolsos, é bom se pôr os pés no chão, não deixar a fantasia dar cambalhotas, porque tudo o que pode haver, além de um vazio retórico, são trocados sem muito valor ou dívidas ainda incalculáveis, a ponto de eles próprios, de objetos de fantasia, assumirem o papel de sonhadores, até, enquanto se imaginam, num corpo que não têm, com sedutor olhar sem brilho natural, não escutando a sirene a lhes chamar, perdidos em devaneios solitários em que se veem em seu uniforme, capacete na cabeça e mangueira (cheia) na mão, acordados dessa fantasia por uma sacudidela do companheiro já desperto e que o faz cair na real: é o chamado de mais uma casa pobre em vias de desaparecer querendo, a todo custo, sobreviver, por vezes não havendo diferença significativa entre o estado anterior ao incêndio e o provável estado depois do sinistro.
CHICO VIVAS
E a fantasia perdura com o chamado urgente, como se no calor das chamas, para promover o salvamento de um gatinho sapeca que, por não se lhe ter cortado as asas (sequer aparado o pelo) a tempo, brincando de ser o que não é, querendo ser mais selvagem o que sua felinidade já domesticada, cedendo à chantagem do carinho eventual e do leite regular, subiu numa árvore e de lá não sabe como descer: e ver o bombeiro, heroico, destemido, risonho, apesar de contrariado com um resgate que não lhe renderá medalha, tendo de se contentar com um sorriso de agradecimento sublinhado por mal-agradecidos arranhões do gato já salvo, é alimentar a fantasia do forte delicado, do alto que se (re)baixa sem humilhação, chegando a parecer, nessa atitude, ainda mais alto; é dar de comer, nutrindo-a com porções fartas, à fantasia do homem terno (e que não precisa estar sempre com um uniforme), mais atraente ainda quando, fora do serviço, revela-se, surpreendentemente elegante, um homem-terno...e gravata.
A realidade, no entanto, é outra. Incêndios tomam conta, com mais frequência, como se cultivasse o fogo o gosto por pratos nada fartos, de lugares sem encanto; não raro, origem dos próprios bombeiros. Às vezes, por conta das expectativas concentradas numa vela, crendo-se que seu tamanho (ou o tempo que demora para se derreter toda) é proporcional às chances de ser agraciado: e quem sabe se entre os tantos pedidos contidos, por economia, numa mesma vela, não estará o de uma casa mais segura, apenas o suficiente para não se correr riscos desnecessários com uma vela.
A realidade dos bombeiros, embora eu não partilhe com eles a caserna, deve também ser bem outra: abdômen proeminente como sinal de “fartura desnecessária”, músculos lassos em membros arredondados artificialmente ou com a naturalidade de um aumento generalizado de peso, ainda que, nessa distribuição desigual, concentrados na barriga, dando a impressão de que há ali espaço para toda uma dinastia de reis – com suas respectivas damas, ou valetes, se estes forem (de) sua preferência. Quanto à realidade dos bolsos, é bom se pôr os pés no chão, não deixar a fantasia dar cambalhotas, porque tudo o que pode haver, além de um vazio retórico, são trocados sem muito valor ou dívidas ainda incalculáveis, a ponto de eles próprios, de objetos de fantasia, assumirem o papel de sonhadores, até, enquanto se imaginam, num corpo que não têm, com sedutor olhar sem brilho natural, não escutando a sirene a lhes chamar, perdidos em devaneios solitários em que se veem em seu uniforme, capacete na cabeça e mangueira (cheia) na mão, acordados dessa fantasia por uma sacudidela do companheiro já desperto e que o faz cair na real: é o chamado de mais uma casa pobre em vias de desaparecer querendo, a todo custo, sobreviver, por vezes não havendo diferença significativa entre o estado anterior ao incêndio e o provável estado depois do sinistro.
CHICO VIVAS
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