E nem com todas as provas, apesar das teimosas nuvens de dúvidas pairando quase que eternamente, de que, há muito, que isso não é mesmo de hoje, a lua deixou de ser uma instável fantasia romântica, que ainda alimenta certo amor-mercadoria, para se tornar documentada terra firme, ainda que não se lhe pise com aquela regularidade capaz de gerar um trânsito digno de “lunáticos”, fizeram, provas tantas, com que abandonássemos a expressão, loucos como somos por frases de efeito (especialmente os efeitos espaciais), “mundo da lua” para assim se caracterizar um fantasista incorrigível (corrigir-lhe o quê?), ou um sonhador sem trégua (ele vive em paz assim), ou o dono de uma imaginação “fabulosa” – ao menos ele já é dono de alguma coisa: uma “verdadeira fábula”.
Não sei se as crianças de hoje – e “crianças de hoje” é expressão que existe há muito – ainda sonham, quando sonhar lhes é perdoável, permitido ou mesmo incentivado, em se tornar astronautas, ou se isso é coisa de outra geração, mais próxima das navegações espaciais que, por si só, sem recursos gráficos, já causavam grande efeito (na imaginação), sendo sempre mais fácil, mesmo para um sonhador, que não deveria conhecer tais limites, que os sonhos se espelhem na realidade do momento: talvez seja por isso que nenhuma criança (que eu conheço) sonha em ser um desbravador de “outros mundos”, expressão esta, com todo seu poder, que designa(va) terras firmes, no máximo, além-mar, jamais outros planetas – que isso era coisa de quem então (já) vivia no mundo da lua -, simplesmente por não acreditarem que ainda existam “mundos” não descobertos.
É possível que, mais dia, menos dia, o trânsito espacial, preferindo-se este para se escapar das agruras terrenas, acabe por se tornar a imagem de uma rotina: e, nisso de “mais dia, menos dia”, a vida passa e o mundo novo que era uma promessa quando crianças, ficada a infância já tão para trás, ainda não se cumpriu – ou talvez se venha cumprindo, como promessa paga aos poucos, e nós, mais atentos aos efeitos espetaculares, não tenhamos percebido as “novidades” do mundo.
Astronauta tem de ser sempre coisa do mundo da lua (mesmo que suas atividades incluam viagens mais importantes do que ficar gravitando em torno de um mero satélite). Testemunhar seus esforços, exaustivos treinamentos, desafios vencidos, o que poderá ajudar a construir o herói, “humaniza-o” demais, deixando a impressão de que qualquer um (de nós), envidando esforços, treinando exaustivamente, vencendo os desafios possa se tornar astronauta, algo, assim, ao alcance de todos, mesmo que não nos reconheçamos tão esforçados, tão dispostos a suportar a exaustão, tão decididos a não abandonar o barco diante de alguns, aparentemente invencíveis, desafios.
Seja o desbravador de outros mundos que jamais tirou os pés do chão, seja um desbravador que, para conhecer mundos outros, teve, nem que seja quando criança, de tirar seus pés do chão (ainda que então não tivesse consciência dessa levitação), seja qualquer um de nós com nossos próprios sonhos, mesmo que sonhos tão fincados, por contraditório que isso pareça, na realidade, é preciso, de quando em vez, experimentar o “mundo da lua”: se não for possível “estar nele”, que, ao menos, se use essa expressão, pois, mesmo sem o saber, estar-se-á voltando no tempo, como se assim se entrasse numa típica máquina que as promessas do velho mundo novo faziam acreditar como realidade – mais dia, menos dia.
E, como se vê, a vida passou.
CHICO VIVAS
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