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sexta-feira, 1 de abril de 2011

DIA DA MENTIRA




Dia da mentira? Será verdade?

Durante muito tempo a mentira foi minha inimiga declarada, embora não se possa, de sua parte, confiar em tais declarações, ou mesmo em sua aceitação sincera da minha.

Deixei de viver pequenas emoções, de experimentar aventuras rotineiras pelo temor de, não podendo assumi-las, ser levado a mentir: e não que se tratasse de aventuras ou emoções que me impusessem, ainda tão cedo, quaisquer conflitos morais.

Quando me aventurei a escrever, palavras corriqueiras para não deixar passar em branco datas alheias (desculpa, hoje sei, para preencher meus próprios dias sem importância) e não conseguindo fazê-lo segundo as fórmulas repetidas, vi-me posto contra a parede: para ser verdadeiro, tais palavras deveriam sair das minhas experiências, das minhas próprias emoções, das minhas aventuras, pequenas que tivessem sido todas elas, e, em nome da verdade, tendo-as interceptado no meio do caminho, só me restava “sinceramente” mentir.

Foi assim que descobri que uma emoção expressa com palavra é verdadeira em si mesma, nas palavras que lhe dão vida, sem que seja rigorosamente necessário que tenham saído da minha história pessoal. Percebi que não precisava ter amado com fúria, ter-me aventurado em abismos de cartão-postal, ter experimentado ilusões sintéticas para descrever, honestamente, a fúria de um coração tomado de amor, a vertigem do (meu) corpo que cai, das sensações estupefacientes de uma droga de rotina.

O que escrevo, desde então, é a mais pura verdade, do começo ao fim. Mas, não faço história. Assim, que não me peçam documentos, sequer um lenço que tenha estado na cena descrita, como se me tomassem por um ardiloso Iago. Se me pedirem uma cena de amor, dou-a, sem espalhafato, sem fazer cena, sem mentir para mim mesmo, jamais acreditando que esse amor tenha alguma existência para além das letras. Se me pedirem uma aventura radical, ofereço tudo isso, porque tudo o que escrevo sai dessa raiz que é a superação da mentira, mas não na direção de uma verdade factual, e sim na direção da fé nas palavras, em uma vida gerada a partir da mão, mesmo que, como qualquer outra vida comezinha, tenha antes saído do desejo, não importando o lugar em que isso se dá.

Se eu contasse tudo isso, hoje, a alguém, dificilmente, por mais esperto, esse alguém me diria, depois de quase ter acreditado, com sorriso entre desconfiado e vitorioso, que era mentira, que era primeiro de abril. Se eu lhe contasse, mentindo de verdade, uma aventura a muitos metros de altura, uma história de amor visceralmente furioso, de uma experiência de misticismo psicodélico, provavelmente, meu interlocutor, desconfiado, sorriria e me diria que eu estava mentindo, que era primeiro de abri, que, enfim, tudo o que eu acabara de contra era verdade.

CHICO VIVAS

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