
Os que estão sempre dispostos a ver o lado bom de tudo – e, talvez, este seja o melhor lado deles próprios – dizem que o (lado bom?) de um inimigo é ele nos poder dizer, na cara, as verdades, já que os amigos ou as ocultam de nós, quando creem que dizê-las nos poderá causar algum desconforto ou, não resistindo em ficar calados, mas sem saber como jogar tais verdades em nossa face, de frente, dizem-nas de lado, podendo, em alguns casos, no-las dizer pelas costas, sem que esse sussurrar de verdade(s) seja uma carícia que começa na nuca e avança para seu objetivo (verdadeiro): os nossos ouvidos.
Eu, embora seja amigo da Verdade (“Amicus Plato, sed magis amica veritas”), animo-me mesmo é com o potencial artístico de uma (boa?) mentira, mesmo que nem toda, só por ser ficção, mereça ser chamada de arte.
Amigos, quero crer que os tenho, e de verdade, ainda que não saiba dizer o que eles viram em mim, por qual lado me olham para me votarem sua amizade. Inimigos, desconheço-os; ao menos não conheço de me atirarem na cara suas verdades esbofeteantes ou suas cariciosas mentiras.
Ingmar Bergman conta – de cara, querer crer, já que o faz, escancaradamente, nas páginas de sua autobiografia – que, certa vez, ouviu de um (seu) amigo que se deveria evitar conhecer pessoas, porque depois pode ser inevitável se gostar delas.
Por mais que procuremos, será difícil encontrarmos um lado de mentira nessa afirmação, mesmo que, com (algum) efeito, ela pareça uma dessas frases feitas para serem citadas, lugar-comum no gênero biografia e que são repetidas mais pelo (bom?) gosto de dizê-las do que, propriamente, pela verdade que eventualmente possam encerrar.
Mas, pensando melhor, será que não é mesmo assim?!
Nesse universo que – dizem os amigos da astronomia – se expande incessantemente, o mundo real, e não esse do mundo-da-lua, parece se estreitar progressivamente, com menos espaço para que se possa evitar conhecer pessoas: a todo instante, damos de cara, gostemos (disso) ou não, com alguém; às vezes, nesse tráfego de influências, batemos de frente, sem mesmo ter tido oportunidade, em encontrões assim, de divergirmos de opinião.
Esconder-nos para não virmos a gostar das pessoas que conhecemos: mas, onde? Conhecê-las profundamente como recurso infalível para justamente NÃO se gostar delas, sob o risco de, como castigo, se gostar ainda mais? Conhecê-las sim, mas dizer, mesmo sendo isso reconhecida mentira, que não se foi com a cara delas, virando-lhes então a face: pura covardia!
Respostas para dar eu não tenho, e sei que pessoas, amigos em potencial, são como esses balões de gás, sem gás ainda por falta de fôlego, que ocupam tão pouco espaço, murchos em seu canto, em sua flácida aparência que, confiamos nisso, deixamos que assim permaneçam. Porém, quando se enchem com a real invisível substância que lhes anima, dignos que também são de partilharem deste mundo de gozos (muitos, no entanto, com pouco gás para garantir um prazer duradouro), de repente, ficam com aquele ar importante, elevado, tão cheios...de si; e o que antes pouco aparecia, agora, avoluma-se: essa pessoa que se conheceu, agora já “gostada”, amigo talvez, reclama, mesmo que tacitamente, seu espaço.
Olhando essa comparação por certo lado, como amigos recém-transformados em balões, tê-los é mesmo (como) uma festa. Se as festas acabam, se os balões, uma hora ou outra, estouram, sob pressão, amigos de verdade nos dizem, na cara, o quanto gostam de festa, até, como prova disso, levando dela alguns balões inflados (como se fosse portáteis amigos muito queridos); já os inimigos, às vezes tendo mesmo entrado na festa pela porta da frente, enchem-se de doces, saem levando mais alguns como reserva (alguns dizem que só os levam por delicadeza, já que – viram só aqueles docinhos? que horror! – eram tão ruins que assim diminuem a vergonha do anfitrião), olham-nos de lado se lhes oferecemos um balão cheio, elogiam, com um riso inflado, o que não gostaram de verdade e, apesar disso tudo, pedem para que não os tomemos como inimigos por, não contendo sua língua (comprida como a de sogra, que também levam), nos dizerem, de frente, em nossa própria face cansada, que havia ali gente demais, que o espaço era pequeno e que a decoração com balões está ultrapassada. E só então é que nos permitimos lembrar de que foi numa festa como essa que nos permitimos conhecer essa pessoa que, ao se despedir, por mais cedo que seja, já vai tarde.
CHICO VIVAS
0 comentários:
Postar um comentário