Há um personagem de Tcheckov, no Jardim das Cerejeiras, ao qual se se refere como o “eterno estudante”, uma daquelas pessoas que, como outras tantas que conhecemos, está sempre em busca de algo – no caso, de aprender -, nunca, porém, encontrando, “achando” aí justamente o combustível necessário para prosseguir na busca, para perseverar nos estudos: e como aprender goza de boa reputação, mesmo sabendo-se que não se pode aprender tudo, ei-lo plenamente justificado.
O mau de jamais se dar por encerrada uma busca é que isso pode estar encobrindo o temor do encontro, as responsabilidades do conhecimento e o possível e superveniente tédio de não se ter mais o que aprender, até, ao menos, que se inicie renovada procura, com o ônus de estar partindo de novo do zero, quando, ao se se manter num eterno processo de aprendizado, por menos que se tenha verdadeiramente aprendido, é possível se dizer, se não a todos, a si mesmo que se caminhou nessa busca.
Algo semelhante acontece àquele que, seja por involuntária insegurança, quase já a beirar a inconveniente patologia, ou por um excesso, não menos doentio, de autocrítica, ensaia, ensaia, ensaia, e adia sempre a estreia, com o argumento de que o espetáculo ainda não está de todo pronto: e quando, afinal, às vezes levado a isso por motivos externos, ainda que não se possa deixar de considerar que sua aflitiva insegurança, que sua exasperante autocrítica tenha chegado a tal ponto que se lhe torne menos doloroso encarar, de uma vez, essa estreia, quem sabe se empurrado para essa protelada decisão por uma intuição, resolva abrir a cortinas, poderá ser informado (no fundo, talvez já soubesse disso, de tanto procurar saber) que o teatro está fechado – e não por hoje, encerrada a função do dia, mas para sempre.
É comum se ouvir dizer que o segredo do sucesso (de um) profissional está em não deixar de estudar, de estar sempre se renovando, atualizando seus conhecimentos, como se o saber de ontem cedesse seu lugar para o de agora, quando o saber da vez não pode prescindir do que já se aprendeu: e isso faz de todos eternos estudantes, mesmo que tomem decisões, que não adiem a estreia, mas sempre assombrados pela perspectiva de que uma hora de sono a mais pode significar ser atropelado pelos fatos ou ultrapassado por um notívago que aprendeu “isso” a mais.
Assim é que estudar não é mais um tempo que se dedica ao conhecimento – e o oficial nem sempre é interessante, raramente proveitoso –, com a certeza de que chegará ao fim, sentindo-se pronto: a depender do profissional, pronto para, com seus próprios alunos, olhar todos aqueles estudantes experimentando o começo de uma longa jornada. Agora, é como se já se nascesse sabendo; e todo conhecimento posterior não passe de constantes atualizações.
Falando desse jeito, não deixo espaço para muitas dúvidas: fui (ou será que ainda sou, a cada atualização?) um estudante à antiga. Velho, eu? No mesmo “Jardim”, o velho mordomo da família aristocrata, falida, caindo nos braços robustos, apesar de suas resistências de classe, da burguesia endinheirando-se, confrontado com o fato de que ficara velho, sentencia: “Talvez seja porque estou no mundo há muito tempo”.
E este mundo é exasperante para quem, acreditando na necessidade de não ficar para trás, quer conhecê-lo todo, como se fosse possível ir a todas as estreias, ao mesmo tempo.
CHICO VIVAS
0 comentários:
Postar um comentário