Lugar de múmia, como sabe o senso comum, ao qual se costuma atribuir, demagogicamente, a verdadeira sabedoria, mal se escondendo o desejo de assim manter esse povo (sábio) preso a sua sabedoria intuitiva, a léguas de outra(s), é no museu. E nem precisa ser uma de verdade, envolta em seus panos rotos (o que lhe empresta maior veracidade, embora levante a suspeita de que o processo de mumificação não foi dos mais eficientes, não tendo resistido aos dentes do tempo, ávidos sempre por roerem de tudo, intacta como deveria se mostrar a tal múmia ao ser achada, por mais séculos que tenham passado), bastando que seja um vivo qualquer, desde que caindo aos pedaços, Jó ambulante, sem vestígios da antiga riqueza, sequer se lhe adivinhando um joguete nas mãos de Deus (e do diabo).
Assim é que museu é depósito, a princípio, de tudo o que é velho – sendo que, com o tempo, o conceito de velhice se altera, dependendo da expectativa de vida, da qualidade da mesma, preso, muitas vezes, o povo incensado, ao dever(!) de viver muito uma vida pouca. Como o velho, em que pese o discurso recorrente, lacrimejante, piegas, raramente sincero a respeito, com circunspecção falsa, da idade avançada, como se cada ruga bem sulcada na pele afinada, quase um papel a se rasgar, já não suportando escritas mais “profundas”, fosse uma enciclopédia com seus incontáveis volumes, é associado, em nome do novo, da reposição necessária dos estoques, espaço cada vez mais estreito para tudo (para todos), ao que já perdeu seu valor de uso – e, em consequência, de troca –, museu é agência de viagem para o passado, não importando se isso é um (ainda) ontem ou se já um tempo perdido nas brumas que não se contam mais na ponta dos dedos.
Essa fantasia sempre me seduziu: um museu de novidades! E não um que, com competência de assustar, já traga em seu acervo o lançamento de agora há pouco, mas que antecipe mesmo, mais assustadoramente ainda, o que se há de lançar, sem, no entanto, se desprender da ideia que o senso comum dele faz, continuando, portanto, a ser um amontoado de múmias.
Sendo assim, poder-se-ia ir ao museu para ver o que há de vir, mas, vendo-o lá, tomado seria com já-visto, coisa do passado, novidade empoeirada ou velharia bem lustrada. Desse jeito, o mundo haveria de se transformar num grande museu, como já vai se enchendo de velhices – algumas bem vividas, estandarte político, reluzente em seus bordados de cafona dourado, de qualidade de vida; outras, sem os alisamentos injetáveis, sem as tinturas de ocasião, sem as plásticas-cinderela (apenas para durar algumas horas), tão encarquilhadas, que despertam, nos visitantes deste mundo, certo desconforto, fazendo-os pensar, mesmo que não ousem dizer, que devem ter deixado o museu aberto, para que tanta múmia possa andar assim por aí...
CHICO VIVAS
Assim é que museu é depósito, a princípio, de tudo o que é velho – sendo que, com o tempo, o conceito de velhice se altera, dependendo da expectativa de vida, da qualidade da mesma, preso, muitas vezes, o povo incensado, ao dever(!) de viver muito uma vida pouca. Como o velho, em que pese o discurso recorrente, lacrimejante, piegas, raramente sincero a respeito, com circunspecção falsa, da idade avançada, como se cada ruga bem sulcada na pele afinada, quase um papel a se rasgar, já não suportando escritas mais “profundas”, fosse uma enciclopédia com seus incontáveis volumes, é associado, em nome do novo, da reposição necessária dos estoques, espaço cada vez mais estreito para tudo (para todos), ao que já perdeu seu valor de uso – e, em consequência, de troca –, museu é agência de viagem para o passado, não importando se isso é um (ainda) ontem ou se já um tempo perdido nas brumas que não se contam mais na ponta dos dedos.
Essa fantasia sempre me seduziu: um museu de novidades! E não um que, com competência de assustar, já traga em seu acervo o lançamento de agora há pouco, mas que antecipe mesmo, mais assustadoramente ainda, o que se há de lançar, sem, no entanto, se desprender da ideia que o senso comum dele faz, continuando, portanto, a ser um amontoado de múmias.
Sendo assim, poder-se-ia ir ao museu para ver o que há de vir, mas, vendo-o lá, tomado seria com já-visto, coisa do passado, novidade empoeirada ou velharia bem lustrada. Desse jeito, o mundo haveria de se transformar num grande museu, como já vai se enchendo de velhices – algumas bem vividas, estandarte político, reluzente em seus bordados de cafona dourado, de qualidade de vida; outras, sem os alisamentos injetáveis, sem as tinturas de ocasião, sem as plásticas-cinderela (apenas para durar algumas horas), tão encarquilhadas, que despertam, nos visitantes deste mundo, certo desconforto, fazendo-os pensar, mesmo que não ousem dizer, que devem ter deixado o museu aberto, para que tanta múmia possa andar assim por aí...
CHICO VIVAS
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