Não sou de ter boas ideias, especialmente as vendáveis, embora imagine o que as pessoas querem, pelo que estão dispostas a pagar. Mas, mesmo não sendo nada original, podendo já ter sido pensado antes, quem sabe mesmo posta em prática, vou lançar uma: um livro sobre os vendedores...de livros, daqueles que saem (acho que já não saem, tendo saído dessa há muito) vendendo de porta em porta, porque os outros, em locais apropriados, recebem quem ali vai para comprar, podendo não fechar o negócio (se isso for recorrente, o negócio acaba fechando), mas sem correr o risco de levar a porta na cara, inoportuno por chegar em má hora, importuno por chegar, a hora que for.
Para dar a uma ideia, possivelmente bastante batida (se eu insistir nisso, hei de levar uma porta na cara), algo que a torne mais interessante, um toque de originalidade, fica proibida – afinal, a ideia é minha mesmo – a venda dos exemplares em locais apropriados, liberada somente a venda porta-a-porta, com um vendedor tentando empurrar, mal passando da soleira, forçando, entrão como só, avanços progressivos casa adentro, talvez até com um igualmente forçado convite para um cafezinho, um livro sobre vendedores de livros, algo mais insípido, para quem já leva uma vida insossa, a ponto de estar em casa justamente na hora em que esse vendedor, que só passa na hora em que todos trabalham, passa, do que enciclopédias com um interminável número de volumes, cheios de informações desatualizadas, servindo como nostalgia de como era o mundo ainda ontem.
Na verdade, de porta em porta, deixaram de passar vendedores, do que quer que seja, mas especialmente de livros. E entre tais vendedores, alguns eram até muito bem-vindos, porta-vozes informais do mundo “lá de fora”, ou, quando menos, com sua inoportunidade a calhar, interrompendo uma rotina de temperos sempre iguais para gostos que não mudam, apresentando-se, em geral, com sua bela estampa, em que pesem as marcas visíveis de se andar assim, de porta em porta, sob o sol, espécie de príncipe sem cavalo ao qual se honra com um cafezinho, até mesmo, o que o honraria mais, dado esse seu bate-pernas profissional, com um régio café, embora bem mais próxima já a hora do almoço.
Em último caso, se não houver alternativa, impossível se prolongar ainda mais essa conversa, paga-se o preço e compra-se o livro: e este exemplar poderá vir a se juntar, como se uma enciclopédia das mais diversificadas, a outros tantos, todos comprados em semelhante condição, recebido o vendedor com sorrisos, brindando-o, como se fosse uma eminência a visitar “minha humilde casa”. Atenção, porém, vendedores de livros: nem sempre é assim, em especial no que diz respeito aos vendedores de enciclopédias intermináveis.
Por quê?
Por uma lógica simples: comprar uma enciclopédia dessas de um único vendedor é abrir mão de ser visitado por um sem-número de outros vendedores avulsos que só nos querem empurrar um livro de cada vez, mesmo que se compre uma infinidade de exemplares do mesmo Vendedor de Livros – esse best-seller que não figura em qualquer lista dos mais vendidos.
CHICO VIVAS