Vou abrir meu coração!
Antes, porém, deveria abrir o peito, porta de entrada para se chegar a ele, não sendo necessário, aberta essa porta, esse peito, que, muitas vezes, o coração, ele próprio, seja aberto, bastando que, escancarada a entrada, visível o interior do peito, possa-se aí resolver a questão, sem maiores intromissões diretamente no coração.
Em frase assim, retórica a não poder mais, cheia de dramaticidade, simulando subsequentes revelações, há um erro: apesar de, na aparência, ser da vontade de cada um a decisão de abrir o (próprio) coração, não havendo, ainda aparentemente, possibilidade de alguém determinar que façamos isso (embora um outro possa, com boas intenções ou não, induzir-nos a isso), já que, mesmo se obrigados então, tal ato pode não passar de um fingimento, especialmente se não traímos essa falsidade na cara, sabendo-se que quem vê cara..., é preciso um terceiro que nos abra o peito.
Até se pode tentar, sabe-se lá levados por quê a tentar isso, sem auxílio externo, abrir o próprio peito: no entanto, esse procedimento, de precisão cirúrgica, requer uma habilidade incomum no comum dos homens, já que qualquer vacilo pode causar um trauma, além do fato de que, aberto uma hora, será necessário, às vezes no instante seguinte, se fechar a porta, costurando-se um acordo consigo próprio a respeito do que, enquanto aberto o peito, se deixará passar dali para fora, sendo já do conhecimento que, aquilo que saiu facilmente se espalha, sem a salvaguarda, agora, de se estar protegido no fundo do coração.
Apesar disso, de todas essas precauções, de todos os procedimentos que o bem-estar recomenda que sejam sempre seguidos à risca, sem descuidos, sem que se passe por cima de um só, apenas porque se o considerou, discricionariamente, à revelia da tradição, de menor importância, somos frequentadores assíduos dessas salas em que abrimos o peito e, não contentes, abrimos também o coração, ora na companhia de um só (o que podemos considerar mais do que suficiente para nossas necessidades da hora), ora rodeados por uma equipe de fazer inveja a profissionais em aberturas de peito.
De imediato, após abrirmos o peito, sentimo-nos aliviados: ou, simplesmente, cremos nisso, sugestionados por terapêuticas das quais não sabemos a origem, mas sedutoramente sustentadas por teorias, baseadas numa ideia universal, de que a sinceridade é sempre o melhor remédio (e para os sinceros patológicos, qual será o remédio ideal?), a ponto de nem sempre nos lembrarmos de, aberto o peito, fechar de novo o coração, ou, lembrando, mas ainda experimentando o prazer(!) de tê-lo aberto, decidimos mantê-lo assim, querendo inaugurar uma nova etapa na vida, marcando posição ao dizer que nunca mais voltaremos a fechar nosso coração.
Peitos abertos além do rigorosamente necessário (e a medida dessa necessidade, sendo de cada um, individual, requer perícia rara) são uma porta francamente escancarada para corações, depois de um entra-e-sai dos diabos, cuja porta emperrou: mesmo quando se quer o contrário, ninguém mais sai de dentro, ninguém mais de fora consegue ali entrar.
CHICO VIVAS
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