Hoje elas são incensadas, muito embora os mesmos que as incensam torçam o nariz, como se percebendo que algo não está cheirando bem, para a queima desses mesmos incensos tão perto delas, das árvores, das quais, aliás, devem ter vindo os próprios incensos, ainda que haja, em meio a toda essa perfumaria ecologico-telúrica, tanta artificialidade. Ora o argumento, de uma ingenuidade que até pode cair bem em discursos de romantismo esverdeado, é de que aquela fumaça, resultado de uma “queima(da)” não pode fazer bem à árvore, com seus eflúvios carbônicos aromatizados (o que esconderia, sob tal olor, intenções mal-cheirosas), ora que, numa argumentação ainda romântica, porém mais apropriada, o incenso é a prova da usurpação feita àquela árvore, tendo-se-lhe tirado, com aspirações comerciais, pedaços de sua vida, de sua seiva.
Sem jamais se terem deitado sob a sombra de uma, seus defensores, talvez se negando a conviver com a “radicalização” dos seus naturais nós (espécie de humanos pés bem plantados no chão), sem jamais sequer alimentarem expectativa de, um dia, virem a ali descansar, subtraindo-se ao sol, assumindo assim um ponto de vista em que podem obscurecê-lo, evitando sua luz quando esta ameaça uma repentina cegueira (até que uma nuvem resolva dar as caras, interpondo-se ente o sol inclemente e os olhos clamando por refrigério), erguem seus estandartes com slogans implorando por preservação, em nome – num altruísmo que desperta desconfiança – das futuras gerações, como se estas, vindo depois, pretendessem mesmo gozar da sombra de uma árvore.
Aguerridos defensores olham–nas, as poucas árvores que ainda dão na (nossa) vista, como mãe generosa, apesar dos ataques que vêm sofrendo, sofrendo como se isso fosse seu destino, capazes de continuarem dando frutos, alimentando não apenas, pela boca, nossa vida, como, quem sabe se pelos olhos, também o espírito: no entanto, não vemos com bons olhos os frutos irregulares, sem tanto brilho, verdes que só amadurecem no tempo, frutos que só nascem na época apropriada, passando, como se burocratas empedernidos, pela necessária floração, por essa fase supérflua quando se tem fome, essencial, porém, quando, saciados em outro sentido, ronca-nos o espírito, ansioso por belezas, preferindo os frutos, nós, no dia-a-dia, tão regulares que parecem cópias de um modelo perfeito, tão brilhantes que parecem que sobre sua cor natural se apôs uma demão de verniz, frutos que são levados a pular etapas, brotando logo e, já no galho, não mais os fazendo esperar, que entre seu estado imaturo, ainda verde demais para “frequentarem as bocas”, e o da madureza, maturidade que não os impede de serem devorados, o intervalo pode ser encurtado com técnicas diversas – em último caso, uma pintura madura sobre a base verde, mesmo que se corra o risco de assim se inaugurar um novo e estranho tom na paleta do pomar.
Com tanta defesa, salvo em calendários escolares já esquecidos ou em memória que insiste em não amadurecer, o dia da árvore caminha para a extinção. E dizer que isso não tem a menor importância porque o dia delas deve ser todo dia é o mesmo que se fala a respeito (do dia) das mães: e estas só não foram extintas por um instintivo senso de sobrevivência.
CHICO VIVAS