
Numa didática bastante infantil (apropriada para crianças), ensina-se que as palavras são como tijolos (como “tijolinhos”), e que, juntando-se umas às outras, constrói-se... Quanto ao quê, pode-se, seguindo a mesma linha fantasiosa, dizer que se constrói de tudo, tudo o que se quiser, embora, lançando uma semente de dúvida nesse mundo-em-construção, perfeito como então deveria ser, pode-se também se manter lacônico, apenas se afirmando esse “poder construtivo” das palavras, não indo, no entanto, além.
Tijolos levantam paredes, erigem muros, e tudo isso, valendo-se das palavras, pela força da metáfora, transforma-se em símbolo do “apartamento”, da separação, e que, frequentemente, é atribuído justamente à falta de palavras. Assim, tem-se que elas podem ser a unidade mínima, como verdadeiros tijolos, de um monumento ao entendimento (embora se saiba o quanto, em meio a milhares de tijolos, uma palavra mal colocada, assentada com fragilidade, fora do prumo é capaz de fazer, provocando, de imediato, às vezes, certa estranheza, com aquela sensação de que há algo errado, fora do seu lugar, mesmo que não se localize o erro em questão, e depois podendo chegar, caso tenha havido comprometimento da estrutura, ao ponto de se ter de pôr abaixo o que com tanto afinco se construiu – isso se não se quiser correr o risco de, à vontade do acaso, ver tudo desmoronar, sem aviso prévio).
A falta de palavras constrói paredes e muros que separam, trazendo consigo uma desvantagem a mais: não se identificando com exatidão o ponto de desequilíbrio, ou se atira (atiram-se palavras) para todos os lados, crendo que desse modo se derrubará essa “barreira de silêncio”, ou se cala, calando fundo em si mesmo aquele silêncio, aumentando-o por isso, fortificando-se ainda mais a estrutura que se desejava ver ruir.
Engana-se, contudo, quem acha que tal separação só se dá com o silêncio – com essa espécie de negação das palavras, descrença no poder dos tijolos -, porque as palavras, igualmente, podem ser a matéria-prima dos maiores isolamentos, infensos eles a (outras) palavras, por mais fortes, chegando-se a lançar mão, em sentido inverso, de palavras delicadas, na esperança de que isso trinque o muro, rache a parede.
Tijolos são sempre iguais. E são melhores (para a construção) quanto mais parecidos uns com os outros forem, descartando-se mesmo aqueles que apresentam um detalhe a mais ou a menos, tudo em função da eficiência da obra. Palavras são únicas, não se repetem, mesmo que “repitamos” muitas delas (enquanto construímos nossas frases): e quanto mais variadas, maior será a possibilidade de se construir melhor.
O silêncio não é nenhum furo nesta construção (aqui, de palavras): ele talvez seja, silêncio-em-bloco, o furo pelo qual o ar passa, tornando a superposição de palavras um edifício de firmeza confiável e não um castelo (sem furos seus tijolos) de cartas.
CHICO VIVAS
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