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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

DIA DA ÁRVORE


Hoje elas são incensadas, muito embora os mesmos que as incensam torçam o nariz, como se percebendo que algo não está cheirando bem, para a queima desses mesmos incensos tão perto delas, das árvores, das quais, aliás, devem ter vindo os próprios incensos, ainda que haja, em meio a toda essa perfumaria ecologico-telúrica, tanta artificialidade. Ora o argumento, de uma ingenuidade que até pode cair bem em discursos de romantismo esverdeado, é de que aquela fumaça, resultado de uma “queima(da)” não pode fazer bem à árvore, com seus eflúvios carbônicos aromatizados (o que esconderia, sob tal olor, intenções mal-cheirosas), ora que, numa argumentação ainda romântica, porém mais apropriada, o incenso é a prova da usurpação feita àquela árvore, tendo-se-lhe tirado, com aspirações comerciais, pedaços de sua vida, de sua seiva.
Sem jamais se terem deitado sob a sombra de uma, seus defensores, talvez se negando a conviver com a “radicalização” dos seus naturais nós (espécie de humanos pés bem plantados no chão), sem jamais sequer alimentarem expectativa de, um dia, virem a ali descansar, subtraindo-se ao sol, assumindo assim um ponto de vista em que podem obscurecê-lo, evitando sua luz quando esta ameaça uma repentina cegueira (até que uma nuvem resolva dar as caras, interpondo-se ente o sol inclemente e os olhos clamando por refrigério), erguem seus estandartes com slogans implorando por preservação, em nome – num altruísmo que desperta desconfiança – das futuras gerações, como se estas, vindo depois, pretendessem mesmo gozar da sombra de uma árvore.
Aguerridos defensores olham–nas, as poucas árvores que ainda dão na (nossa) vista, como mãe generosa, apesar dos ataques que vêm sofrendo, sofrendo como se isso fosse seu destino, capazes de continuarem dando frutos, alimentando não apenas, pela boca, nossa vida, como, quem sabe se pelos olhos, também o espírito: no entanto, não vemos com bons olhos os frutos irregulares, sem tanto brilho, verdes que só amadurecem no tempo, frutos que só nascem na época apropriada, passando, como se burocratas empedernidos, pela necessária floração, por essa fase supérflua quando se tem fome, essencial, porém, quando, saciados em outro sentido, ronca-nos o espírito, ansioso por belezas, preferindo os frutos, nós, no dia-a-dia, tão regulares que parecem cópias de um modelo perfeito, tão brilhantes que parecem que sobre sua cor natural se apôs uma demão de verniz, frutos que são levados a pular etapas, brotando logo e, já no galho, não mais os fazendo esperar, que entre seu estado imaturo, ainda verde demais para “frequentarem as bocas”, e o da madureza, maturidade que não os impede de serem devorados, o intervalo pode ser encurtado com técnicas diversas – em último caso, uma pintura madura sobre a base verde, mesmo que se corra o risco de assim se inaugurar um novo e estranho tom na paleta do pomar.
Com tanta defesa, salvo em calendários escolares já esquecidos ou em memória que insiste em não amadurecer, o dia da árvore caminha para a extinção. E dizer que isso não tem a menor importância porque o dia delas deve ser todo dia é o mesmo que se fala a respeito (do dia) das mães: e estas só não foram extintas por um instintivo senso de sobrevivência.
CHICO VIVAS
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domingo, 6 de setembro de 2015

DIA DO ALFAIATE


Corte-e-costura, apesar dos processos automatizados, e que não prescindem do corte nem da costura – embora algumas peças procurem se vender melhor justamente com o atrativo, ainda de “roupa de baixo”, ou talvez por isso mesmo, de que não possuem costuras -, permanece, numa imagem primeira, experiência tipicamente manual, vendo-se, mesmo a distância, aliás, a uma distância já indefinida, jogado como foi, o corte-e-costura, para o rol das atividades pretéritas, alguém debruçado sobre o tecido (a depender do recuo desse pretérito, simplesmente, “pano” ou “fazenda”), riscando-o, como se ali moldasse uma criatura fantástica, um fantasma sem corpo, mas com todo seu contorno desenhado, e, depois, cortando-o, com uma precisão de fazer inveja aos que, profissionalmente ou por apurado amadorismo, se dedicam a trabalhos que exigem precisão, ainda que, nesse caso, sejam previsíveis as sobras, retalhos admitidos, desde que seu tamanho não dê sinais de desperdício ou de imperícia (do) profissional.
Cortado já, ainda sem as costuras definitivas, a criatura, não maior que seu criador, mesmo quando o alfaiate é um baixo profissional sob encomenda de um cliente avantajado, e mesmo que não se trate de nenhum modelo original, mas de um já copiado à exaustão da moda da hora (se tanto, porque a moda, agora, é questão de segundos, isso segundo eu mesmo, que pouco ou nada entendo de moda), apresenta-se sob pespontos, espécie de desenho tracejado que, ainda que se lhe adivinhe a forma por inteiro, mostra-se como que interrompido, à espera de traços que completem aquelas (aparentes) lacunas. Linhas antes tão visíveis, os pespontos, alinhavando o assunto aqui, dão lugar, queiram ou não, a outras, invisíveis (a menos que a moda exija sua aparência superficial), queiram ou não, tais linhas sucumbem ao anonimato, caracterizando-se a costura em si.
Mas, ainda não se dá por findo o trabalho, necessitando-se, por precaução, de mais uma prova, que nem precisa ser a de número nove. Tudo certo ou, havendo reparos a se fazer, refeito o trabalho, batido o martelo, eis mais uma obra, alienado esforço quando em série, sem que, se ainda há intervenção humana direta nessa linha de produção, se tenha consciência da própria participação na peça pronta: talvez, um dia – e isso não é uma projeção para o futuro, e sim uma volta no tempo -, alguém, vendo aquele “fantasma de pano”, agora com vida própria, reconhecesse ali seu trabalho, até mesmo seu “estilo pessoal” de cortar e costurar, mesmo que então não passasse de mais um alfaiate provinciano que sequer possuía, em seu vocabulário tecido apenas com palavras necessárias, o termo estilo, por ser sem serventia, porque, autodidata, velho menino-aprendiz de um outro alfaiate, que se iniciou também nessa vida do mesmo jeito, menino ainda, seguia apenas sua intuição, como se esta fosse uma “linha invisível” que o conduzia.
Alfaiate, hoje, é uma reminiscência desvalorizada, dada a concorrência em série, a preços bem mais em conta, ou uma reserva (às vezes, por puro esnobismo de “classe”) para os endinheirados que não desejam ser confundidos com personalidades-em-série, crendo no poder da diferenciação da roupa feita com exclusividade, mesmo que poucos percebam isso, nem sempre sequer outros endinheirados sob medida.
E estas linhas são os meus pespontos. Mas, com uma diferença: não podendo fazer melhor, mesmo com erros evidentes, fica tudo como obra acabada.
CHICO VIVAS
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