Quando Isaurinha Garcia chegou (chegando), gritando, para quem quisesse ouvir – hoje, quem ainda lhe dá ouvidos?! – que é chegado o carteiro, todo mundo entendeu, menos pelo tom da voz de Isaurinha, mas porque todos, provavelmente, já haviam experimentado, em sua vida, alguma espera, com as ansiedades características de um aguardo assim, vigilantes, como um guarda atencioso, do relógio, contando os segundos, mesmo que isso só faça parecer que o tempo é maior do que realmente é, e o carteiro, então porta-voz mais veloz, era o que mais se aproximava, sem cães-de-guarda as casas, guardadas, no máximo, por uma imagem, sabe-se lá com que grau de fidedignidade, de um anjo-da-guarda, de uma desejada chegada, apesar de, mesmo havendo tal possibilidade, não se estivesse aguardando pelo carteiro em pessoa, mas pelas boas-novas, evangelista não-canônico, que ele trazia.
Que ele ainda traz, isso ele traz, pois continua, carteiros que não desapareceram – Isaurinha Garcia, infelizmente, sim -, trazendo cartas, ainda que já não tenha a exclusividade, sequer tendo sua supremacia, das novidades, considerando o quanto tudo, agora, envelhece rapidamente, ninguém mais querendo, olhando o relógio a cada segundo, perder tão precioso tempo, sabendo-se o quanto gostamos de compará-lo ao vil metal: metal muito bem-vindo, viu?!
Carteiros, no entanto, já não guardam aquela cerimônia de missionário ao entregar a Palavra, prosaicos que se tornaram, apesar dessa sua atividade cheirar, cada vez mais, a pura nostalgia, não passando totalmente despercebidos por causa do seu exuberando uniforme, talvez desenhado (e, sobretudo, pintado) para ser notado, como a dizer assim que carteiros ainda existem, sendo que os cães-de-guarda são os que mais os notam, valendo-se eles (não os cães) apenas do seu próprio anjo-da-guarda: e se este, vivendo em “outro mundo”, atemporal, estiver à espera, ansioso, de uma boa-nova vinda por carta, atenção: cão feroz.
É verdade que eles, que sequer veem, agora, como era de praxe, a cara dos destinatários, cartas entregues fora da mão, na mão de quem, como um carteiro profissional, por função, recebe e as redistribui (mal vendo, igualmente, a cara dos seus destinatários), entregam também outros objetos, de pesos variados, já quase extintos os telegramas, por pouco usados, salvo por alguém que se vale justamente dele para dar uma notícia com atraso: mas não é de se crer que, por mais aguardado, um objeto vindo numa caixa, visto de cara quando aberta tal caixa, valioso até, tenha o mesmo valor de uma (antiga) carta, envelope colado (às vezes, perfumado: e isso me faz sentir cheiro de saudades no ar), na sequência, rasgado, ou mesmo aberto com uma delicadeza de quem não deseja trair sua trêmula ansiedade, desdobrada a carta, lidas as palavras, de um fôlego só ou a conta-gotas, pingando palavras.
Se um carteiro passasse, gritando nosso nome, passar-lhe-íamos um sermão, mostrando-lhe o valor da discrição, não lhe perdoando se, como se visse através de nós (de nossa expectativa), esperasse, entregue a carta, para nos ver abrir o envelope, acrescentando o quando deseja que nos traga boas-novas: e, por Deus, às vezes, tudo o que queremos, quando não há outro jeito, é pagar a maldita fatura em dia, para evitar os temidos juros.
CHICO VIVAS
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