Alheios a serem “colhidos” pela minha mão, os ciprestes se deixam plantar no chão, à espera do tempo e das condições ideais para medrarem - e, aqui, quase não resisto à tentação, tão mais baixo do que um deles, mesmo dos ainda muito jovens, pode chegar, de, com os joguinhos habituais, dizer deles: se...prestes. Mas, contenho estes meus dedos lúdicos, ávidos, e não lhes permito que brinquem assim, com algo tão sério, apesar de, ao plantar tais ciprestes neste solo virtual, abrir espaço, qual sulco na terra, para que me tomem por um brincalhão ou por quem não tem mais nada o que fazer, como se as brincadeiras só entrassem nas histórias no vácuo das seriedades ausentes, e não fossem tão essenciais (ao crescimento, o nosso e não o dos ciprestes) quanto é o desenvolvimento da mão, mesmo que suas linhas não se desenrolem, de inextricável por destino próprio, numa sequência de palavras legíveis, a ponto de não deixarem margem alguma quanto ao futuro que nos aguarda.
E que futuro nos aguarda, senão (e temo que a brincadeira comece a ficar demasiado séria) o cemitério, o campo onde reverdecem lembranças protocolares e histórias em processo de esquecimento, onde medram campas com palavras tão sérias para a finitude do homem, que beiram já a brincadeira?
Árvore comum em lugares assim, dito santos lugares e onde se encontram toda sorte de homens, os que tiveram sorte na vida e os que a única sorte(?) que tiveram na vida foi a de serem homens, os ciprestes têm a peculiaridade de sempre se mostrarem verdes: eis aí, se não uma boa desculpa para esse assunto ter entrado aqui, ao menos, uma esperança de que, com ou sem jogos de palavras, eu consiga sair desse lugar, sem ainda nele ter dado entrada, ascendendo à vida, essa mesma cotidiana, ainda que isso signifique “descer” às suas vias públicas demais, a alguma depressão na topografia e a certas baixezas que não se trocam, em vida, pelas alturas prometidas por um futuro de ciprestes, inexorável, mesmo que se descreia deles por escrito ou que, viva, a voz grite contra tais desígnios.
O cipreste que planto aqui não foi arrancado a um campo-para-sempre, mas à fantasia em que, plantado, como se diria de certa terra que conhecemos, tudo dá, inclusive coníferas assim. E se planto, transplantando-o, em palavras, da imaginação não necessariamente fértil (apesar de, em certas estações, abundarem - e o jogo de palavras é inevitável - adubos naturais), faço-o não pela paisagem que costuma abrigá-lo, mas pelo verde que teima em lhe ser única cor, como se, insurgindo-se contra o outono que toda vida conhece, conhecendo-os até em ciclos que se repetem, até que a roda finalmente se feche, gritasse que vive para sempre, sem talvez perceber que mesmo num verde insistente há sutis variações, fazendo de certo tom, que nos homens é já marrom, tendência de moda outonal.
Então, numa tentativa de “subirmos aos baixos” a que tanto nos apegamos, ainda que clamemos aos céus por uma vida mais elevada, faço dessa plantação de ciprestes uma coleção de lembranças, todas elas perenemente verdes, independentemente do tempo em que foram deitadas ao chão, acomodando-se dentro da terra, que é o jeito característico, ao contrário do homem, de uma planta vir a nascer: sei que há algumas de um verde-bebê, tenros ciprestes que já se lançam ao espaço, prontas para crescerem, e outras lembranças que, aos meus olhos, serão sempre verdes, ainda que grassem por aí um tom de verde-maduro.
Entre o olhar decidido as lembranças jovens e o não querer ver que há as que, jovens um dia, foram empurradas para um indiscernível tom de marrom, há ainda as lembranças que passeiam entre um extremo e outro.
CHICO VIVAS
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