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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

DIA DO TRIGO


Quem come pão nem pensa - sendo de sal ou mesmo sendo outro, que o sal sempre entra de alguma forma – que aquilo que o tempera, tirando-lhe um, se não insuportável, não-apreciado insosso, vem do suor, já naturalmente temperado assim, embora o suor seja mais visível nos trópicos acalorados do que em regiões, ironicamente, mais temperadas, vindo não de uma exsudação espontânea, resultado previsível e mesmo desejado do bom funcionamento da nossa fisiologia sistêmica, ou daquele hábito, bem me voga, dos esforços calculados, cronometrados até, seja em nome de uma boa saúde, qualidade de vida como muitos preferem dizer, embora, se pudessem escolher, nem sempre com alternativas à mão, se deixassem seduzir pelos encantos numéricos da mera quantidade (inclusive por acreditarem que com mais tempo, mais chances haveria de se tratar...da qualidade, ainda em vida), ou seja tão-só porque comer faz bem à imagem, especialmente quando, vivendo às correrias, mostra-se ainda com tempo para isso.

O suor que dá o tom ao pão (que vem, classicamente, do trigo, ainda que outras variações, ao longo do tempo, tenham surgido, sem o mesmo apelo, a ponto de, sendo de outra matéria-prima, juntar-se-lhes, nem que seja um tantinho, o trigo) vem do trabalho árduo e incessante de um homem que, primeiro em tudo, legou a sua descendência essa exaustiva herança, ele próprio um Tântalo, condenado a viver assim, de comer(?) o que a todo instante parece lhe fugir das mãos, amargando a culpa original, por mais que hoje não haja qualquer originalidade em se falar em culpa, recorrendo a ela até os inocentes, os que não sabem como se ganha o pão, não lhes passando pela cabeça que uma máquina (de fazer pão: mesmo que metáfora – ou eufemismo – para não se falar do esforço humano) possa suar: mais sensato foi Brás Cubas que, bem orientado por seu mentor, não à toa um Bruxo que já parece ter nascido de barbas brancas, não legou a própria miséria a sua descendência, uma miséria, aliás, mais filosófica, moral, do que propriamente a carência de bens, que ele tinha demais, se se considerar sua solidão.

Mas, não é à toa também que o Criador de Machado de Assis é Quem é: numa tacada de mestre (mesmo que isso não Lhe tenha saído da cabeça, autorizado, porém, Biografado com sumo poder de veto), inventou mais do que pão: inventou tudo, afinal. Inventou, sobretudo, o pão como imagem do alimento maior, ainda que um pão menor, um pãozinho até, e não apenas para suprir, com seus carboidratos, as necessidades dos músculos, exigidos em esforços constantes, compulsórios ou por livre vontade, ao ar livre ou em ambientes fechados (a poucos ou a muitos, a depender do preço), mas para alimentar, figuradamente, o espírito que, para marcar sua aparente(!) superioridade em relação ao corpo, sequer precisa de alimento – ou, se precisa, é de um de gênero inefável, por mais que se gastem tantas palavras para dizê-lo.

Motivo de preocupação: o pão de cada dia, expressão que substitui um desejado cardápio variado – ou, na falta, o mesmo, repetido, e, em último caso, o pão propriamente dito. E ainda preocupa o pão, por mais que seja constrangedor se falar assim, de barriga cheia, por seu potencial de energia que, não gasta (talvez em ganhar com suar o pão de cada dia), acumula-se: e justamente onde, senão na barriga, cada vez mais com aquela sua indesejada aparência de “cheia”.

Será que o castigo não poderia ter sido viver quebrando galho, tentando alcançar, como Tântalo, a copa da árvore para nos alimentar de...maçã: que, sabidamente, enche a barriga sem exibi-la tão “cheia”?

CHICO VIVAS

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