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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

DIA DO MARINHEIRO


Persegue o marinheiro, mesmo que não deva nada a ninguém, como um mítico monstro do mar de comprovada existência, ao menos enquanto mito que é, não se lhe podendo cobrar, por indevido que é, que apresente documentos oficiais – e uma foto três-por-quatro não daria dele uma boa impressão, reduzindo-o a um detalhe, quando o que o faz ser tão monstruoso assim é justamente não caber em tão estreita moldura -, a (própria) solidão: se não fosse um casamento impossível, se diria um par perfeito, tão ao gosto, essas idealizações, do casamento.

É coisa que desconheço saber se alguém escolhe – se escolhe, ser marinheiro porque, sem par talvez, desiludido com os “ideais” que, com o tempo (com a água que sempre passa por debaixo da ponte), já se sentia atraído pela solidão, embora o mar não seja sua única morada, solidão que não escolhe lugar, indo desde, aparentemente humilde, uma casa que mal se sustenta em pé, ainda que nesse caso se tenham preocupações mais urgentes, o que requer os pés no chão, do que com a (própria) solidão, até uma casa com a qual, ainda aparentemente, nenhuma outra está em pé...de igualdade, ou se, lançado ao mar, como alguém que atira para todos os lados, por falta de outra opção, sabendo quão difícil, a partir de então, se tornará lançar âncora nalgum lugar, mesmo que esse seja justamente um dos trabalhos de todo marinheiro: mas isso é mais literal, tempo suficiente para se atracar momentaneamente, alçando-se-a logo depois, ainda pela força dos seus mesmos braços.

Sem pouso certo, é ave do mar que vive com lembranças da terra, com a típica insatisfação humana que faz, aves mais afeitas aos terrenos sólidos, sentir nostalgia do mar, mesmo de um que nunca conheceu, mesmo uma ave que jamais sobrevoou qualquer mar.

Havendo portos em que deve obrigatoriamente parar, salta aos olhos a avidez do marinheiro por se afastar da solidão, sem sequer o cuidado de, ao agir assim, tão afoito, deixá-la (sozinha, claro) a ver navios, sendo isso o que, em tais circunstâncias, é “só” o que ela pode ver. Afastando-se dela, busca, como se ele próprio fosse uma âncora, lançar-se em outros braços: e age como se fosse sua única opção, embora possa escolher os braços, não diferindo, no entanto, uns dos outros, até, nesse seu mergulho em terra firme, afundando o máximo que pode, com alguma certeza, dada pelo ir e vir da mesma âncora nos mares profundos, que de lá emergirá renovado, apesar do o mesmo ainda (ou outro homem, apesar do mesmo marinheiro de sempre), para, de novo, como sina a cumprir, zarpando, ir encontrar (sua eterna) solidão.

E sequer, nessa união, sem a alternativa do sim ou não, pode se vangloriar (e nisso, tem os pés no chão) da exclusividade que a solidão lhe devota, haja vista, ainda que possa assumir faces diversas, ser a mesma solidão que ora se lança, como esposa que perdoou as escapadas do esposo, em quaisquer braços, ora como a demonstrar certo desinteresse, tal qual soubesse que, por mais que falem mal dela, espera que se lancem, marinheiros quaisquer, em seus braços.

Talvez tudo isso seja muito, e a solidão só exista na (minha?) fantasia.

Como eternos marinheiros de primeira viagem apesar dos tantos portos, a ponto de já ficarmos enjoados com essa onda toda, fugimos da solidão, sabendo que em algum cais ela nos encontrará, ou então, sabendo o quanto isso pode significar um naufrágio, eventualmente sem solução, lançamo-nos em seus braços.

E é só.

CHICO VIVAS

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