
Para além do que o próprio nome, substantivo comum, sugere, alguém que trabalha com vidro, não sei o que (mais) possa ser um vidreiro, talvez já sendo o suficiente ser o que é, ou o que ora suponho que seja, trabalho dos mais delicados, mesmo que realizado por mãos longe da delicadeza que se imaginaria para o trato com coisa frágeis, sendo assim, possivelmente, pela dureza do trabalho, pelos inevitáveis “riscos”, não raro profundos, fazendo isso parte do próprio trabalho.
Mas, pensando num, sem que eu me veja ora na precisão de um trabalhador assim (tenho, sim, telhado de vidro; e ele está, sim, aqui e ali, quebrado; mas, imaturo então, de tanto querer consertá-lo, acabei por aprender que não adianta), o que me vem à cabeça é o esperto Carlitos, secundado pel’O Garoto, adotivo filho, sendo educado(?) na pedagogia da sobrevivência, quebrando, este, com pedradas propositais, as vidraças alheias, para que, filho amoroso, dê passagem ao pai-vidraceiro que – que coincidência! – está a passar por ali justamente naquele instante, numa sequência que lhe(s) garante trabalho e a consequente sobrevivência – do jeito que dá.
É possível que um vidraceiro, ainda que não seja dos “bons” – porque há sujeitos assim em qualquer trabalho, em qualquer arte -, ainda que use lá dos seus artifícios para garantir a continuidade do seu serviço, não se sinta muito lisonjeado com minha referência, acusando o golpe e, fingindo ter sido ferido, como se riscado por um pedaço de vidro, em cheio, em sua reputação, devolvendo-me o golpe, em injúrias que crê proporcionais ou em muito delicadas palavras (terá aprendido isso com os vidros?) que, em troca das duras recebidas, parecem doer bem mais.
Para aliviar meu lado – imagine só se todos os vidraceiros resolverem vir contra mim, com pedras nas mãos, prontos para deixarem meu telhado, já tão vazado, um buraco só! -, digo que, no fundo, somos todos uns...vidraceiros, querendo, com isso, dizer que em algum momento acabamos por nos valer de certos artifícios para a manutenção da nossa vida, por instinto de sobrevivência: não raro, para nos proteger, evitando danos maiores a nosso próprio telhado, saímos na frente, tentando ganhar pontos com a surpresa, e atiramos no telhado alheio, deixando seu dono ocupado o suficiente com esse seu estado-a-descoberto para não vir contra nós, mesmo sabendo que, uma hora, receberemos o troco.
É assim: cada um por si e Carlitos valendo por todos. Não que seja um deus, mas, na luta pela sobrevivência, restando os mais bem-adaptados, os que retratam a evolução da espécie, se não sobrarem, com o tempo, vidraceiros, ao menos, para sempre, Chaplin.
CHICO VIVAS
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