Fala aí, amizade!
Mas, as amizades, meu amigo que diz isso, instando a amizade a falar, por mais substantiva que seja na vida de alguém – alguém que, certamente, se constitui numa amizade para outro, ao mesmo tempo em que, nesse outro ou em outros (outros), tem seus próprios amigos –, permanece abstrata, por mais concreta que tal amizade se mostre, o que não a impede de ser comum, amizade com letra minúscula (que só os mais inseguros gostam de bater no peito para fazerem ressoar sua autoatribuída masculinidade maiúscula, mesmo que num agá mudo), ou mesmo um substantivo próprio, embora, apesar de tão cantada, não se encontre facilmente quem, com a maiúscula de regra, se chame Amizade, ainda que, substantivo, por norma, feminino, tantos homens, preponderantemente eles, tratem-se, com sinceridade discutível, por “amizade”, aí podendo estar a tentativa de, iniciada alguma divergência, pôr fim, como se colocando panos quentes, a uma “próspera” discussão.
E, se dermos voz à(s) amizade(s), com o recurso lícito de uma prosopopeia, que diria(m) ela(s)? E eles, que diriam ao ouvirem a amizade, essa mesma evocada recorrentemente, com uma gíria amistosa a substituir o substantivo próprio, nome de pessoa repentinamente esquecido, ou, pelo tempo decorrido entre o hoje e os dias em que eram amigos cotidianos, tendo-se já tornado uma verdadeira abstração? Fala aí, amizade(s): que tens a (nos) dizer?
Alguns, com cara de amigos poucos para comigo (qual’é, amizade?!), poderão se levantar para dizerem que uma amizade de verdade deve manter a discrição, evitando, por mais comichão na língua, deixar escaparem palavras ouvidas de um amigo, tenham ou não sido rotuladas de “segredo”, abrindo espaço, no entanto, com esse argumento proibitivo, para a suspeita de que, sob tal ponto de vista discreto, amigos estão liberados para falar bem, ainda que para isso tenham de recorrer ao que escutaram de um amigo, com rótulo (de) secreto, quem sabe se posto com cola pouca justamente para que não se leve em conta o pedido de sigilo, embora, aparentemente, esteja lá, em letras reluzentes, a proclamar o segredo.
Há quem, confundindo amigos com a (própria) amizade, sem medir as consequências de se defender princípios assim, assegure que amigos não só podem dizer tudo, como têm entre seus deveres o de dizer, quando julguem (como se todo amigo fosse necessariamente um juiz justo, sabendo-se que, ainda que tenham os seus próprios, os juízes não são necessariamente amigos) que falar seja indispensável, mesmo sabendo o quanto o amigo não ficará satisfeito em ouvir, chegando, baseado nessa tese, ao corolário de que, às vezes, é melhor um inimigo, pelo que este pode dizer, sem culpa, do que amigos que se furtam a falar, pelo receio de um amigo contrariar.
Amizade, nem precisas falar! Eu, aliás, já falei por nós, e até demais, a ponto de, com isso, poder estar perdendo (se já não perdi), carente esse de paciência, (mais) um amigo. Porém, por mais que eu tenha dito (e tenho dito), não esgotei o assunto, havendo, assim, amizade, brechas incontáveis, caso queiras falar.
E aí, amizade!
CHICO VIVAS
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