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quarta-feira, 29 de junho de 2011

DIA DA TELEFONISTA



Não dá mais para imaginar aquela moça, um tanto quanto envelhecida, se comparada às outras moças, talvez assim, simplesmente, porque as outras já estão encaminhadas na vida, ou seja, comprometidas, mesmo que, noivas, não haja, à vista, perspectivas confiáveis do compromisso se tornar “definitivo”, até, claro, que a morte (do amor) venha a separar o casal, às vezes se sobrepondo estes àquela, ao custo de se viver entre os restos mortais durante uma vida inteira, enquanto que a envelhecida, igual a qualquer das outras em idade, vê seus dias passarem, vê os potencias pretendentes passarem, vê as chances passarem cada vez mais raramente. Não tendo casa e marido para cuidar, sem boquinhas para nutrir, consegue uma boquinha de telefonista e, enredada em fios, tece, com retalhos de conversas alheias, uma história que vai vivendo, em episódios, com se fora a sua, cuidando, no entanto, como autor que consegue se manter à margem da vontade própria de suas personagens, para não interferir, para que não se percebe que há outros olhos pousados sobre essa intimidade – no caso, ouvidos bem atentos.

É claro que isso é só uma caricatura do que, um dia, já foi o trabalho das telefonistas: e se não me atenho ao comportamento mais contemporâneo delas é porque, aos meus olhos, sequer as há, e quando há, isso é só na virtualidade de uma voz excessivamente simpática, irritantemente compreensiva, insuportavelmente irritante, sem que tenhamos, de nossa parte, o legítimo prazer de, com ou sem motivos que isso justifiquem, sobre uma delas despejar nossas frustrações, tratando-a, na crença mercantil de que, fregueses, estamos sempre cobertos de razão, do alto, jamais de igual para igual, experimentando, com a devida distância que nos separa, o gostinho de “ser superior”.

Já não existem telefonistas que reconheçam nossa voz, num provincianismo que encurta caminho, estabelecendo contato com outro telefone à nossa própria revelia, sabendo, talvez mesmo mais do que nós, com quem desejamos falar, surpreendendo-nos ao percebermos o quanto nos tornamos repetitivos, previsíveis e sem direito àquela privacidade na qual depositávamos alguns segredos. Se não corremos o risco de que, nessa indiscrição calculada, nossas vitórias cheguem simultaneamente ao nosso e aos ouvidos alheios (o que, passada a frustração inicial, não nos importa tanto, facilitando até nosso trabalho de espalhar a boa notícia, posando ainda, nesse caso, de elegantemente discreto, como alguém que não se preocupa em cantar vitória, havendo com que se preocupar mais), no entanto, quando são as (nossas) derrotas que se espalham pelo vento, passamos a ser mal-vistos, como alguém que esconde o jogo – perdido, agora, hesitamos em pegar o telefone, sem uma telefonista pronta, do outro lado, para, automaticamente, reconhecer nossa emoção da hora, e gritar que vencemos, e mesmo, derrotados, pegá-lo do mesmo jeito, sabendo que não teremos coragem de ir até o fim e contar para alguém sobre a derrota iminente, esperando, no fundo, que a própria telefonista, sem que tenhamos de dizer uma só palavra, entenda tudo.

Tudo tão instantâneo, não há mais espera que se justifique, a ponto de perdermos a paciência se, como um gênio que mistura em si o realizador de desejos e o leitor de pensamentos, temos mesmo de dizer alguma palavra, uma que seja, para que a telefonista, sem aspirações românticas, aquela voz sem sonhos matrimoniais, entenda o que queremos. Tudo tão para ontem, já não planejamos telefonar amanhã: seria demasiado anacrônico, por menor que seja o tempo a separar um hoje (talvez já no fim) e um amanhã (quem sabe se já ameaçando chegar); deixar para telefonar daqui a pouco faz tanto sentido como, em dias idos, telefonista a postos, mesmo apressados, não pararmos diante dela, como se cumprindo um ritual necessário, porque, sem isso, o que demandaria ou pouco levará uma eternidade.

Levaria: até a eternidade é coisa do passado.

CHICO VIVAS

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