Não se deve confundir o dar asas ao pensamento com o lhe dar liberdade, embora, com gosto por metáforas, cultivemos uma figura assim, sendo as asas um símbolo recorrente e universal do ser livre, ainda que os que a têm não façam disso um ato libertário, sendo uma condição que lhes é natural, caso contrário, estaremos aceitando que a liberdade não nos é própria, mas, por trás da insistência em se dizer dela que é uma conquista do homem, aceitando que ela nos é dada – e o que é pior, por outro homem, a seu bel-prazer, estando esse seu prazer em no-la dar, o mais brevemente possível, para que não tenhamos de esperar pelo próximo voo, ou em adiar, sadicamente, ao máximo, a nossa partida, ou melhor, a nossa entrada no clube dos homens livres.
É comum se pensar que, enquanto as convenções da sociedade nos impõem certas obrigações das quais, sob pena de arcamos com o ônus disso, nem sempre de uma leveza desprezível (o ônus pode mesmo ser o de nos tornarmos, a certos olhos, desprezíveis), não podemos abrir mão, estando atados ao contrato que nos torna partícipes de uma comunidade, mesmo que não tenhamos sido consultados, sendo tal contrato de adesão, sem direito a que se discutam suas cláusulas, no pensamento, ah!, aí somos completamente livres.
Nisso, nos confundimos, primeiro por “pensarmos” que pensamos o que queremos, do jeito que melhor entendemos, quando só pensamos a partir de um código (o linguístico, em particular, ou o do devaneio – e não nos deixemos enganar, pois por escondido no verso de seu aparente caos, há aí toda uma gramática bem ordenada), abeirando-nos, com os perigos próprios de uma aproximação assim, da loucura, quando rompemos com a sintaxe clássica e partimos para a criação de uma linguagem própria; depois, porque ter um pensamento livre não é, simplesmente, pensar(mos) o que quiser(mos), mas nos dar a liberdade de pensar inclusive naquilo que não queremos – se assim o quisermos.
Indissociáveis as várias denominações que são dadas à liberdade, a de pensamento está ligada, como se de mãos dadas (com a liberdade de andarem assim, ainda que alguns, em nome da mesma liberdade de pensamento, não vejam isso com muito bons olhos), à de expressão, talvez porque não se conceba com facilidade a possibilidade de se pensar (livremente), se não se tem o direito de se expressar tal pensamento, como se pensar apenas fosse só a metade da liberdade, só se completando esta ao ganhar voz aquele pensamento, mesmo que voz, aqui, careça de sonoridade formal, desde que fale de outro jeito.
Como tudo isto veio de um pensamento meu, embora não tenha sobre ele exclusividade, havendo nisso, ainda que inconscientemente, muito de outros pensamentos, de pensamentos de outros, e como pude dar expressão ao que penso, independentemente de estar certo ou não, de acordo com critérios estabelecidos, livremente, por outros, poderia dizer que sou livre. Como, no entanto, não posso deixar de dizer (mesmo que, às vezes, ávido por fazer isso, não pense muito no que digo), penso que talvez não seja tão livre quanto penso. Ou, pensando melhor, quem sabe se não sou justamente livre por isso?
CHICO VIVAS
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