Não é mania de perseguição – e eu admito que tenho lá as minhas, admitindo isso mais aqui comigo mesmo, não tanto diante dos outros, omitindo-as então, preferindo observar as suas, sejam as evidentes, evidenciadas mesmo por eles próprios (e talvez estejam omitindo a maioria delas), sejam aquelas que, em público, mantêm-se represadas, que, afinal de contas, ninguém, acredita nisso todo maníaco, precisa ficar por aí a exibir as suas manias, embora não sejam poucos os que cultivam, sem pudor de omiti-la, mania(!) de exibir-se, revelando-a, autoexpressiva como é, ainda quando não querem parecer assim, sendo que o que mais desejam não é outra coisa, senão aparecer -, mas tenho a sensação de que para onde quer que eu vá não estou sozinho, como se alguém, numa discrição hoje anacrônica, preferisse a sombra, evitando qualquer raio de luz: mas, que raio de criatura é essa?
Deus me livre e guarde, mas chego a pensar que não seja algo (de) bom; algum espírito (de porco) que talvez queira despertar em mim justamente essa desconfiança de que estou sendo seguido, sem jamais se deixar ver, apenas para que, com o tempo, reiterada e cumulativa sensação, acabe desenvolvendo certas manias; e entre elas, especialmente, a de perseguição, com todos os outros (maníacos ao seu próprio modo), na falta de prova sobre esse perseguidor, me tomando como mais um deles, embora eles sequer tenham consciência de que (também) são.
Quem me escuta falar assim – caso eu esteja mesmo falando, já que, caso contrário, boca fechada, isso pode ser um problema, isso de se ouvir o que ninguém, rigorosamente, diz – pode me dizer, aconselhando-me, que preciso me benzer e, na sequência, rezar para meu anjo-da-guarda, que é ele o mais indicado para velar por mim, nessa proximidade “invisível”, na minha cola sempre, ainda que, com o fácil argumento do (meu) livre-arbítrio, não possa me salvar das ciladas escolhidas, com a desvantagem adicional de sentir-me observado ao cair, deliberadamente (sabe-se que se conta com os habitantes do céu para uma mãozinha ladeira abaixo, em diversão que deve lembrá-los de suas imperfeições humanas, agora, supostamente, corrigidas por uma santidade oficializada, em alguma cilada há muito “desejada”).
Desconfio – o que pode surgir como uma evidência a mais de que estou mesmo com essa mania de perseguição – de que meu perseguidor, caso não passe de somente uma impressão, dado o clima reinante de insegurança, não é outro, senão o próprio anjo em sua função de guarda. Se for assim, é melhor que ele me dê um sinal, mesmo que sem os efeitos especiais de uma cena mística, tendo, ao fundo, um monocórdio coro de anjos-monótonos, ou então, na dúvida, sempre me voltando para ver se flagro essa minha sombra fugidia, torcerei o meu pescoço, ainda que, se descobrir que tenho sido observado durante todo esse tempo, visto em minhas quedas planejadas, não tendo das outras, aparentemente escolhidas com liberdade, sido livrado, não seja, apesar de alguma possível torcida, o meu pescoço que estará em jogo.
CHICO VIVAS
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