Ouvir um poeta (nos) falar da precisão do navegar parece estranho, já que não se associa, comumente, a poesia à navegação (quando não, para se evitar um suposto clichê); de resto, não se a associa a nenhuma atividade prática, como se o labor do poeta sequer merecesse (e não por falta de méritos, talvez por tê-los muitos) o nome de trabalho, incompatível sua exsudação, real-em-gotas ou fingida-a-seco, com um ato que se quer sublime, mais afeito ao ato da Criação em que o descanso dominical destoa, em meio a uma semana inteira tão produtiva. Ainda é estranho, se um poeta, falando em navegação, já dando a entender de que o é por acaso, quando suas aspirações, se bem-sucedidas, o teriam levado a se tornar um Capitão de longo-curso, deixar a impressão de que ela, imprecisa que seja, é necessária, como se então cuidasse de quaisquer assuntos do cotidiano, de preocupações comezinhas, de interesses demasiadamente humanos para alguém que deveria se ocupar de mais elevadas matérias.
Quando, no entanto, não se sabe o que o poeta quis dizer, “verdadeiramente”, cada qual lhe atribuindo um querer diferente, um dizer ao gosto pessoal, sem que se chegue a um acordo, a menos que se tome este ou aquele estudioso (quase um exegeta, comportando-se com hierático esnobismo, sentenciando dogmaticamente) como dono da verdade, talvez aí se esteja mais próximo do poeta – se de um de verdade ou se de um fingidor, pouco importa, até porque o fingidor pode ser um poeta (para um poeta), não se excluindo a hipótese deste não estar fingindo ao dizer isso, como se cortasse em sua própria carne, dizendo-se, portanto, um não-poeta, justamente quando mais o é.
Mas, vamos deixá-los de lado: isso é, aliás, o destino de todos os poetas, já que, uma hora ou outra, tornando-se necessário se navegar, com a imprecisão que caracteriza as melhores aventuras, põe-se a poesia à margem, na certeza de que, feita a viagem, há de se a encontrar no mesmo lugar, tal qual déssemos voltas e mais voltas, acabando, nesse círculo, sempre nos versos. Aqui, finjamos que o assunto é outro: o navegar.
Com tantos sentidos novos, sem que fosse preciso acrescentar mais um aos que a natureza nos deu, a navegação (nos) surge como um ato de outrora, como se só se a pudesse experimentar como um meio (de se encurtar caminhos: e havendo outros mais rápidos, para que se navegar?) e não como um fim em si.
Para alguns, o que torna a navegação sedutora é exatamente (embora eu não possa garantir a precisão disso) a possibilidade de se fazer um longo curso, desinteressante aquele de curto, pela experiência de se elastecer o tempo, com a sensação – tanto sol, tanto mar (não se podendo descartar as tempestades previsíveis, mas incontornáveis, e as não-previstas, com contornos ainda mais imprecisos) – de que as horas não passam: e é curioso que se deseje navegar por passatempo, mas exasperando-se se tudo parece uma eternidade (que não passa).
Hoje, navegar é para poucos, um luxo que, por sê-lo, não é “preciso”, tomando-se por supérfluo, como se só houvesse beleza no fundo, num mergulho científico, jamais à flor d’água. Os poucos que podem (ainda) navegar até levam consigo um poeta encadernado que, fatalmente, cumprindo seu destino, será deixado de lado. O risco é que, fatigado, e mais ainda por um poeta - mal-escolhido, crê-se - que parece não dizer coisa com coisa, como se tivesse piamente acreditado nele com tal, poeta que se mostra, e se descobrisse, navegação já em pleno curso, que ele não passa de mais um fingidor, apenas isso, querendo deixar essa aventura também de lado, interrompendo a navegação, como para abandonar o barco, a ponto de não se lembrar do poeta, seque se lamentando por tê-lo deixando (para) lá, concluindo, afinal, que nada disso que cria muito necessário era mesmo tão preciso assim.
CHICO VIVAS
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