É preciso uma boa dose de criatividade para não se associar ela própria ao acaso, como se só pudesse acontecer assim, como um relâmpago, fugaz, inapreensível para além de meros segundos, às vezes insuficientes para se perceber o que se está passando, podendo ser que tudo não passe de um relâmpago mesmo: é duro convencer alguém de que a criatividade pode ser uma conquista baseada no trabalho, árduo até (alguns, parecendo então “criativos”, dirão que um criativo de verdade encontraria uma maneira de sê-lo sem tanto trabalho, reiterando certa ideia de que a criatividade precisa, para se revelar, de terreno fértil, sendo este justamente uma certa lassidão, o não comprometimento com o horário, como se se devesse estar sempre à disposição para quando a criatividade, enfim, desejasse, a seu bel-prazer, acontecer, parecendo mesmo que escolhe os momentos mais impróprios, quando não se tem lápis e papel à mão, tendo-se então de se recorrer à própria memória - papel que aceita, por tempo limitado, o que o lápis lhe escreve, inscrevendo nela, como se cavasse fundo, tal qual criança que, ainda inábil nessas artes, força a mão, pressionando em demasia o lápis, marcando o papel -, o que dá a falsa confiança de que, escrito, não mais se apagará.
Esperam-se comumente da criatividade soluções definitivas para todos os problemas: criativa como é, no entanto, sabe que se resolver tudo de uma vez estará matando-se, pois, sem necessidade posterior de se encontrar (novas) soluções, para que ser criativo? Só se for para inventar problemas.
Verdade que a arte – que, em tese, não tem qualquer compromisso em encontrar soluções, até se prestando mais a acrescentar novos problemas – também se vale, e muito, da criatividade, chegando mesmo a se valorizar mais aquela (arte) francamente criativa, entendendo-se isso como um ato sem consciência, um trabalho sem aparente esforço, do que uma que se baseia no estudo continuado, nos esboços reiterados, na insatisfação constante, na obra que, afinal, tendo começado, não dá a conhecer se já está no (seu) meio, fim que é adiado frequentemente para se a melhorar.
Criatividade mesmo talvez (e não afirmo, categoricamente, porque me falta criatividade suficiente para justificar, com categoria, o que afirmo) seja encontrar soluções para um problema ainda não “inventado”, sem que seja criativo de igual estatura aquele que, diante da solução já posta, usa toda sua criatividade para lhe encontrar o problema correspondente. Porque problemas são sempre mais fáceis de se achar, sendo, inclusive, a falta de criatividade um deles, embora não se possa deixar de notar que, em meio a “criativos” incansáveis, essa mesma falta possa ser a solução. Já soluções, não; não são tão fáceis assim de se encontrar, especialmente uma que venha precedida por um problema bem elaborado, posto com clareza, chegando a parecer ao seu proponente, ainda que um não-criativo, uma moleza sua solução, furtando-se de encontrá-la com o argumento (ético?) de que, se o fizesse, estaria exercendo ilegalmente uma atividade reservada para outros, sem temor de se assumir como nada criativo, mostrando o quanto essa (sua) criatividade, apesar de negada, existe.
Existem até criativos de plantão, sempre prontos, burocratas orgulhosos de serem assim, para dar respostas, com toda sua criatividade de manual, para as questões. Mas estes, mesmo que achem soluções, estão longe de serem a criatividade em pessoa.
CHICO VIVAS
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